Considerado o último grande trabalho de Balzac „A prima Bette“ (La Cousine Bette) não parece ter um lugar de honra e destaque quando se discute o trabalho de Balzac... Foi muito esquecido.
Descreve o caminho de vingança que uma costureira solteirona de meia-idade segue para „aniquilar“ todos que não deixaram-a realizar seus sonhos.
O amor que perdeu para a sua jovem prima, o „artista“, o escultor Wenceslas, que representa o genio artístico que sucumbe à uma certa falta de motivação e preguiça, é morto. Sua esposa, a prima mais jovem de Bette, Hortense, mata-o (Bette armou esta armadilha) e é presa. A „amante“ dele (por sinal, a „melhor“ amiga de Bette), Valérie é levada a um vale de lágrimas enquanto o patriarca da família Hulot (ou seja, o pai de Hortense) sofre um derrame ao pegar „in flagranti“ Valérie (que amava e que tinha sido sua amante) com Wenceslas, seu genro.
Uma trama complicada e de alta-voltagem…
Bette, ao final, assume o poder sobre a casa na qual um dia foi recusada (quando sua prima Adeline morreu ela pensou que Hector Hulot iria casar-se com ela… Não! Ele queria-a só como uma espécie de governanta), tornando-se a responsável „oficial“ não só de seu „primo por afinidade“ Hector, como também, do que resta da sua fortuna e do filho de Hortense e Wenceslas, seu „amor“. Ela triunfa.
O livro, que foi comparado a „Othello“ de Shakesperare e a „Guerra e Paz“ de Tolstoy ("Guerra e Paz " porque? Nao compreendo!), explora temas de uma imensa densidade: maldade e virtude, paixão, mentira e „doença“ ( a fixação práticamente patológica que Bette tinha por Venceslas), sexo e fidelidade e, acima de tudo, a influencia que o dinheiro exercia sobre a sociedade francesa. Reparem que eu não penso que o livro explore o tema „amor“. Nenhum dos personagens realmente "ama"...
Balzac, numa das mais longas „novelas“ (escrita num curtíssimo período de só dois meses) de sua inteira carreira (incrível pensar-se na quantidade de livros que Honoré de Balzac escreveu em sua curta vida. Ele morreu aos 51 anos de idade) descreve realistícamente a trama diabólica que Bette pouco a pouco desenvolve para conseguir o seu maior objetivo: a vingança! E tudo levado pela inveja – que sentimento perigoso e destruidor. Tenho realmente „medo“ da inveja.
Os críticos chamam muita atenção à falta de beleza de Bette, a quem Balzac se refere até com „…quelques verrues dans sa face longue et simiesque“ (…aquelas verrugas em sua face longa e símia). Outra passagem a descreve como „elle ressemblait aux singes habillés en femmes“ (ela tinha semelhanca com os macacos vestidos de mulheres) ou até com „une jalousie de tigre“ (um ciúme de tigre). Características que transformam-a, para o leitor, no que ela é. Uma mulher de terrível caráter, de 42 anos, e muito diabólica. Quando ela toma conhecimento do noivado de Wenceslas e Hortense, começa „a pegar fogo, como se a fumaça das chamas que a acendiam, saíssem das suas rugas assim como as que saem das fissuras causadas por uma erupção vulcanica“. Incrível as figuras, as metáforas empregadas por Balzac! Ele „usou e abusou“ do seu poder de escritor para transformar Bette realmente no monstro que é.
Num filme de nenhum sucesso, feito em 1998 e dirigido por Des McAnuff, o personagem de Valérie foi eliminado, dando lugar à „Jenny“, uma atriz. O motivo para mim é até hoje desconhecido (ou inexplicável… ou será pelo „pudor“? ). No filme, Jenny tinha dois amantes ao mesmo tempo antes de se abandonar nos braços do exilado polones Wenceslas. Valérie (livro), por sua vez, teve até 5 amantes ao mesmo tempo (e quando ficou grávida disse para cada um deles, inclusive um nobre brasileiro chamado Mendés (?!?), que eram todos os pais da criança!). Ou seria o motivo o fato da “amizade” entre Bette e Valéria nao ser vista por Balzac como tão platonica? A com Jenny é…
Mesmo assim, com seus erros, acho o filme muito bem construído. Não é fácil tarefa colocar em 1 hora e 45 minutos todo um mundo de material que Balzac nos presenteia no livro. Imaginem só que após 150 páginas ele nos diz: „Agora a introdução à estória está definitivamente acabada“ (!?!).
Jessica Lange, neste filme que recomendo – não tão horrenda como Bette deveria ser mas, mesmo assim, longe de estar atraente como foi em anos passados – transforma em carne, sangue e osso um dos personagens mais temidos e interiormenre feios da literatura francesa/mundial. Um dos personagens que considero, em termos literários, ser um dos melhor construídos por um autor.
E, não podemos esquece deste fato, o quem mais incomoda neste filme/ livro? O fato dela „vencer“ no final.
Conversamos muito em casa sobre o final do filme (reli até em voz alta o final do livro) e lembro-me muito claramente da opinião de minha mãe: „Pessoas assim não são felizes… „
Será verdade ?
Eu considero que a felicidade está muito relacionada ao fato de ter-se uma consciência limpa… Mas uma pessoa que trouxe desgraça, morte, injustiça, doença e loucura para outros, propositalmente, tem consciência?
Será?
P.S. Diz-se que Ruth Elizabeth Davis escolheu o "nom de guerre" Bette (Davis) por causa deste livro... Se isto é verdade, então a "Bette" de Balzac encheu-lhe de inspiração para interpretar outras "malvadas" (que eram, na maioria das vezes, "punidas" no final dos roteiros da Warner - falaremos delas em breve, OK?).
Nenhum comentário:
Postar um comentário