quinta-feira, 30 de julho de 2009

Pennies from Heaven (1981) e crianças dançando... o meu pesadelo pessoal!

NUNCA fui fã de crianças dançando no cinema, muito menos daqueles prodígios que apareciam antigamente. Pobre Shirley Temple. Talvez com exceção de uma cena, na qual sapateou com „Bo“ Jangles, sempre achei-a uma das criaturas mais chatas e abomináveis que apareceram nas telas do cinema para nos assombrar. Crianças dançando… Gene e Fred tentaram dançar com eles... com resultados, para o meu ver, desastrosos.

Mas como „toda regra tem uma exceção“ gostaria hoje de mencionar um inteligentíssimo filme de Herbert Ross chamado „Pennies from Heaven“ (1981). Este, por sua vez, foi baseado num filme da BBC e foi, na realidade, apesar de „musical“, o primeiro filme dramático de Steve Martin. Neste filme existe uma das poucas cenas com crianças que realmente adoro (As outras são do musical muito especial „Annie“). Lembro-me que assisti "Pennies" pela primeira nos anos 80 num quarto de Hotel... para ser mais específico: no Sheraton de Hong-Kong... (chic, hein?) e fiquei enlouquecido com este filme.

O enredo é simples. Também duro e forte. Personagens reais e sérios durante a época da Depressão nos U.S.A.transformam-se quase em arquétipos: um „fallen Angel“, ou seja, a professorinha primária que cai em desgraça por tornar-se „a outra“ na vida de um homem, „a eterna sofredora“ a mulher traída, a frígida esposa que tem que aceitar certas práticas sexuais do seu marido que não estão de acordo com ela, o „Canalha“, um „Gigolo“ que encontra a professorinha no seu caminho „para baixo“ e transforma-a numa prostituta, o „Herói“, um sonhador sem muita moral que é acusado de um crime (estupro) que não cometeu e condenado à morte.
Tudo isto „regado“ com maravilhosas canções dos anos 30 mas com um detalhe sutil: nenhum dos atores canta. Eles estão sendo dublados por gravações originais. Estas são usadas das formas mais variadas e contribuem para o status de quase „culto“ que este filme possui. Sempre refletindo o estado mental, a „mood“ na qual o personagem neste preciso momento se encontra. Um grande momento, um dos melhores do filme: O casal principal dança ante uma tela de cinema „Let’s face the Music and Dance“, uma cena de quase suicídio, na frente de Astaire & Rogers em „Follow the Fleet“ (1936).


Um outro bom exemplo: a esposa está deitada na cama depois de ter sido „usada“ pelo marido (como ela mesmo refere-se a „fazer amor“).
- Ele está fazendo a barba, de costas para ela. Tagarelando.
- Ela se levanta devagar e com olhar fixo de ódio começa a cantar/sincronizar uma doce canção de amor chamada „Yes, it’s true“ (I love you), dirigindo-se diretamente a ele.
- No meio do caminho ela apanha uma tesoura e continua em sua direção. Cantando.
- Ao chegar quase ao final da canção, ela, já com o braço elevado, está para lhe cravar a tesoura nas costas quando ele
– CORTE –
vira-se e diz „Voce disse alguma coisa?“.
Ela, que na realidade está deitada na cama, responde titubeando e sem graça: „Não…“.


Um momento soberbo de cinema! Genial!

Jessica Harper é a esposa, Christopher Walken o gigolo e, my darling, Bernadette Peters o arquétipo do „Fallen Angel“, a professorinha. Bernadette, a única de todo o elenco que realmente é uma atriz de musicais, e para quem deve ter sido mais difícil o fato de não estar cantando ela mesma. Mesmo assim recebeu um Golden Globe por sua atuação. Infelizmente não consegui minha cena preferida „Life is just a Bowl of Cherries“ – só esta foto! Quem sabe um dia… Eu tenho o filme…

Mas, como começamos este relato hoje falando sobre crianças no cinema, vamos acabar voltando a elas.
Aqui uma cena que amo.
Não só as crianças mas a interpretação „sabida“, cheia de estilo de Bernadette Peters com todos os trejeitos, olhares e „carinhas e boquinhas“ das cantoras dos anos 30 sincronizando „Love is good for anything that ails you!“.
Hoje uma postagem mais divertida, Let’s have fun! Yeahhh!
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e para quem ainda tiver um pouco de paciencia... um curto trailer do filme (com um PEDACINHO da cena na frente da tela do cinema... reparem no jogar do lenço... fascinante!)
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terça-feira, 28 de julho de 2009

Chicken Licken - uma fábula revisitada.


Conheci esta fábula ainda bem pequeno e tenho que dizer que a experiencia não foi nada agradável…

Chicken Licken é uma fábula sobre um pintinho que acha que o céu está caíndo (pois uma pinha caiu em sua cabeça!) e sai correndo para contar ao rei este importante fato!
No caminho ele vai encontrando vários amiguinhos que vão sempre se unindo a ele para ir contar ao rei que o céu está caíndo!
Seus amiguinhos são óbviamente animais. Então unen-se a Chicken Licken Henny Penny, Drakey Lakey, Cocky Locky, Ducky Lucky, Goosey Loosey e Turkey Lurkey!

É bem interessante como o „suspense“ é criado… Todas as vezes que encontra um animalzinho, este lhe pergunta. „Porque voce está correndo tanto Chicken Licken?“ e ele responde: „Oh, para ir contar ao rei que o céu está caíndo“ e aí (o melhor de tudo) como a lista já está imensa sempre lemos: „Então Chicken Licken, Henny Penny, Drakey Lakey, Cocky Locky, Ducky Lucky, Goosey Loosey e Turkey Lurkey correram para contar ao rei que o céu estava caíndo!“.

Mas quem é que toda esta turminha encontra entao no meio do caminho? Ninguém menos do que „Foxy Loxy“!

Esta sabida raposa os convida para sua casa para descansarem (ou tomar chá?).

A última página dupla do meu livrinho apresentava Foxy Loxy com sua família e vários esqueletinhos… (este era meu livrinho antigo, neste aqui aparecem só umas penas… quanta “psicologia”!). Toda a turminha foi devorada para o jantar: „Assim Chicken Licken nunca chegou ao rei para lhe contar que o céu estava caíndo“.

E eu pergunto francamente: Nao é traumatisante? Nós, crianças, abrimos o berreiro com o choque deste final! Pode?

Existem porém finais diferentes:
Num as raposas comem todos os amiguinhos de Chicken Licken mas Cocky Lockey consegue manter-se vivo por mais tempo para avisar Chicken Licken, que foge… Noutro os personagens são salvos por um esquilo e por uma coruja… e até num mais „surreal“ no qual um pedaço do céu realmente cai e mata „a malvada“ Foxy Loxy!

As interpretações sobre esta fábula (que as vezes é erroneamente atribuída a Esopo) são várias: Na versão com „o final feliz“ (na qual são salvos pelo esquilo e pela coruja) a moral da estória não é ser „um franguinho“ porém ter coragem… Muitas vezes é também colocada a moral do „Nao acredite em tudo que voce ouve“ (o céu caíndo ou Chá das Cinco na casa de Foxy Loxy?).

Mas existe uma interpretação, para mim, mais política, mais ampla: eu prefiro pensar que Chicken Licken interpretou, por pura ignorancia, uma situação de forma errada, tirou conclusões muito precipitadas e levou toda a população a um estado de histeria conjunta; a "plebe" descontrolada, situação esta que a Raposa sem escrúpulos aproveitou para manipular a ordem dos acontecimentos para o seu próprio interesse… Não parecem fatos até da política atual? Não lemos situações semelhantes quase todos os dias no jornal?

Uma coisa ficou definitivamente como „heranca“ de Chicken Licken: A expressão „The Sky is falling“ (título original desta fábula) entrou no idioma ingles e transformou-se numa expressão muito usada, indicando uma crença ou histérica ou erronea que um desastre está prestes a acontecer! Como se usaria esta expressão em portugues ?

domingo, 26 de julho de 2009

Song of Love, Clara Schumann, Hepburn, Piano Concerto de Liszt, dublagens...



“Song of Love” (Clarence Brown, 1947): uma biografia da MGM que tomou muitíssimas liberdades com as vidas de Robert & Clara (née Wieck) Schumann, Franz Liszt e Johannes Brahms… Mas o que importa? A MGM no seu período de explendor total podia dar-se a este luxo… Como era o Slogan? More Stars than there are in Heaven
Agora não esqueçamos uma coisa maravilhosa deste criticadíssimo filme: Reparem na cena de abertura a precisão da interpretação de Katherine Hepburn, que apesar de não estar realmente tocando, está perfeita… Até nisto esta mulher era maravilhosa… Tertúlias voltará a comentar mais Kate… realmente um grande “lapso” não ter-se “tertuliado” mais sobre Hepburn!
Minha mãe, que tocou muito bem o piano, e eu, apesar de já ter-mos revisto esta cena dezenas de vezes, sempre ficamos boquiabertos e sempre chegamos à mesma conclusão: Kate não tocou mas além de ter sido soberbamente treinada, tinha grandes noções do piano… o que era natural antigamente, pois tocar um instrumento fazia parte da educação… Those sure were the good ol’ days! E que bom fazer justiça ao talento de Clara Wieck assim! Aqui Kate na abertura do filme num (cortado porém magnífico) Piano Concerto de Liszt (ele só escreveu dois, nao é verdade?) e em “Träumerei” de Schumann (Ninguém jamais diga que esta pequena composição de Schumann é fácil… sim, técnicamente é, mas trazer à superfície toda esta emoção… a emoção que Schumann sempre conseguiu passar, a emoção e a compreensão sobre as “coisas pequenas e simples” da vida… como amar, ser fiel, ser sincero… Oh Robert Schumann! Abençoado seja por todo este talento e por toda sua obra!). Reparem na iluminação à gás no proscenio! (E para voltar-mos ao tema "tomar liberdades": este Concerto de Liszt que Clara está tocando em 1839 só foi composto em 1849... Mas quem se importa????).

Katherine Hepburn como Clara, Paul Henreid (austríaco, ator de “Casablanca”, Victor Lazlo, lembram?) como Robert Schumann.

Dedico, neste domigo tranquilo, esta postagem à minha querida Mãe, apreciadora de Música!
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domingo, 19 de julho de 2009

Rita Cansino - Put the Blame on Mame!!!!! (or on Elizabeth Arden?)


Quem se lembra de Gilda? Dona Sol? Terpsícore?????

Rita Hayworth nunca foi uma perfeita bailarina – nem cantora (sempre foi dublada), nem atriz... mas foi um dos primeiros exemplos do que o “Marketing” de Hollywood conseguia…
Sim, (Marga)Rita Cansino, uma jovem metade americana, metade mexicana, meio gordinha (bem gordinha por sinal) apareceu no cinema no meio dos anos 30 (sua mãe era irma da mãe de Ginger Rogers… elas eram primas!), trabalhou em terríveis filmes (até num “Charlie Chan”, lembram?). Aqui uma cena de um esquecível filme de 1935... 5 anos antes dela ter conquistado Hollywood com sua "Dona Sol" de "Sangue e Areia" que baguncou as vidas de Tyrone Power e da (doce) Linda Darnell...
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e depois com ajuda de uma fortíssima eletrólise (que lhe tirou dois centimetros de cabelos latinos da “curta” testa mexicana) tansformou-se com muita ajuda de “Elizabeth Arden” numa ruiva “irlandesa” bem de acordo com o Technicolor da época….

Gostaria de saber em que língua sonhava... em que língua pensava.... Castellano? Ingles?

Como chamou-se seu primeiro filme importante? “Strawberry Blonde”.
Bem, um processo bem menos doloroso (ou ridículo) do que o de Michael Jackson... e esta "morena" transformou-se na (como a chamaram na época) "Sex Godess" dos anos 40. Ruiva, branquíssima... Gilda, Dona sol, Terpsícore... e até Salomé!!!!! (Num dos mais ridículos filmes até hoje feitos em Hollywood!)

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Depois, durante seus apaixonados anos com Orson Welles, ela ainda transformou-se numa loira de cabelos curtos em “Lady from Shanghai”.

… e não foi durante a filmagem deste filme que um pobre maquiador disse: Parem, parem, Miss Hayworth está suando !!!!!!!!!! E Orson, o apaixonado Orson, disse irritado (antes de despedir o pobre maquiador):

“Um momento por favor:

CAVALOS suam,

SERES HUMANOS transpiram…

MISS HAYWORTH “fulgura”!”


E agora eu pergunto, amor, amar não é lindo?????????



sexta-feira, 17 de julho de 2009

Cunegonde como Lorelei (Lee), "Candide" como "Gentlemen prefer Blondes"????

Os acompanhantes de „Tertúlias » já leram sobre minha paixão com « Candide » de Voltaire (grande livro) e também sobre minha paixão pela Operetta(Musical) homônima de Leonard Bernstein (grande libretto).

Até pouco tempo estava encantado com a interpretação de Kristin Chanoweth (Vide POR FAVOR minha postagem de 16.01.2009). Mas não é que encontrei uma interpretação de Cunegonde que ainda mais me encantou ???? Anna Christy, sim o talentosíssimo e seríssimo soprano que já deu vida à Lucia (di Lammermoor), Hortense, Celia, Olympia (Contos de Hoffman) etc. entre outros…

Que idéia maravilhosa do talentoso Robert Carsen o inspirado fato de Cunegonde ser uma cópia de Lorelei (Lee) de « Gentlemen prefer Blondes » (Os homens preferem as louras, Fox 1953), de Marylin no número « Diamonds are a girl’s best friend ». How fitting !!!!!! Christy com trejeitos Monroanos (de quem aliás jamais gostei !.). Isto sem falar do grande « Staging », Uhmmm ?

Não é Cunegonde A Lorelei (Lee) do século XVIII? Seu amor por jóias (que poden restituir sua “virtude”) e o fato de exclamar honestamente “Glitter and be gay" como se estivesse exclamando "Diamonds are a girl's best friend"!!!!!). Wow... Quanta inspiração! Magnífico!

Sorry, Kristin querida, mas esta interpretação agora passou a ser minha favorita…simplesmente porque a direção é bem mais inteligente (apesar da sua versão, no Met, já ser sensacioal!). But I still love you – a lot!

Aqui um comentário sobre a Cunegonde de Christy:

“The soprano Anna Christy lends a ditsy touch of Madeline Kahn to her adorable portrayal of Cunegonde and tosses off the daunting show piece "Glitter and Be Gay" with bright-toned agility.”
Eu, particularmente, gostei da lembrança e da menção sobre Madeline Kahn...

Voilá Christy. Enjoy!!!!!!
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quinta-feira, 9 de julho de 2009

I'll be seeing you...

Uma coisa leva à outra… quem pesquiza, divaga e "tertúlia" sabe disto...

Em 1944 William Dieterle produziu para David O.Selznick (...E o Vento levou!/Gone with the Wind) um filme chamado „I’ll be seeing You“ para a United Artists.

Ginger Rogers e Joseph Cotten tiveram a possibilidade de criar dois personagens nada típicos para eles e bem diferentes dos que estávamos acostumados a ver: Ela, livre por uns dias da prisão onde está por assasinato, para passar o Natal com sua família. Ele, um soldado extremamente traumatizado pela guerra, com problemas mentais, ou seja, „preso“ em si mesmo e só há poucos dias fora do departamento psiquiátrico de um hospital. Eles se apaixonam. Cada um guarda seu segredo.

Nesse mesmo ano Ginger e Joseph fariam separadamente „Gaslight“ (Vide minha postagem de 23.05.2008) e „Lady in the Dark“ (também uma postagem de 02.03.2008), filmes que são mais „lembrados“. Em „I’ll be… „ principalmente Ginger está muito bem: contida, bem dirigida, com um „very low profile“, senhora de um personagem bem estruturado, real, com muitas gamas. Se compreende porque ela ganhou seu Oscar de melhor atriz de 1940 em „Kitty Foyle“ – Ginger distante Anos Luz da dupla „Astaire & Rogers“. Mais um assunto para uma futura postagem.

Em papéis secundários uma (chatíssima) adolescente chamada Shirley Temple (que fez pouquíssimos filmes na adolescencia e que, para nossa sorte, „retirou-se“ pouco depois do cinema) e a simpatissíssima Spring Byington (que ia muito a negócios ao Brasil), conhecida de muitos filmes.

O filme teve um sucesso considerável mas o relançamento de uma canção, „I’ll be seing you“ – o tema do filme – um ainda muito maior!

Redescobri esta canção (que por sinal é lindíssima!), não faz muito tempo, numa gravação de Bing Crosby de 1944, ou seja, do ano do filme.

Ao pegar por acaso num CD de Rod Stewart, dei-me conta que ele também cantou esta música há poucos anos… Billie Holiday, Mama Cass, Frank Sinatra e até Liberace criaram suas próprias versões.

Frequentemente usada (até à atualidade) „I’ll be seeing You“ foi também fundo musical de „Star Trek“, „Crimes and Mesdemeanors“ (de Woody Allen) e até do final do assustante „Misery“ com Kathy Bates!!!! Imaginem aquele personagem (já morto) e o som de "I'll be seeing you". Deus...

Um longo caminho para uma canção composta por Irving Kahal e Sammy Fain em 1938 para um Show da Broadway („Right this way“) que fechou depois de 15 apresentações!

E por falar-se em Broadway, aqui uma interpretação emocionada e emocionante com ninguém mais nem menos do que um dos „Broadway’s Darlings“ do momento (e um dos meus "Darlings" também!): a talentosíssima Bernadette Peters (em grande forma e aqui já com seus “cinquenta e tantos”).

Uma gravação inspirada, na qual a profundidade do texto é interpretada de uma forma única. Coisa muito comum em Miss Peters, dona de tanto talento e capaz de dar este ar de "simplicidade" a certos momentos, fazendo-os parecer "fáceis" e íntimos... como se ela estivesse cantando só para nós, num palquinho de uma "Boite"...

I'll be seeing you
In all the old familiar places
That this heart of mine embraces
All day through.

In that small cafe;
The park across the way;
The children's carousel;
The chestnut trees;
The wishin' well.


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I'll be seeing you
In every lovely summer's day;
In every thing that's light and gay.
I'll always think of you that way.

I'll find you
In the morning sun
And when the night is new.
I'll be looking at the moon,
But I'll be seeing you.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

REMEMBERING: Natalia Makarova

Se existissem palavras possíveis de descrever completamente Natalia Makarova eu as usaria… todas... mas na realidade não as encontro…

Passam na minha cabeça adjetivos que só representam uma pequena parte desta grande artista. Ela, na realidade, é um “Melange” deles:

Natalia brilhante, emocionante, emocional.
Voadora, desafiadora, elegante.


Ousada, musical, conservadora e inovadora.
Natalia lírica, poética, agressiva.


Exótica, erótica, neurótica, real, inteligente.
Natalia forte, sensual. Natalia frágil, sensual.


Natalia grande artista. Natalia mulher.
Natalia risonha, trágica, brincalhona, doce...
Natalia e suas visoes, seus sonhos,
seus mil demonios.
Natalia mil mulheres.



Makarova nasceu em 1940. Eu às vezes não consigo acreditar que no próximo ano completará 70 anos. Penso que foi „ontem“ que a vi dançando pela última vez. Foi no célebre „Lago“ com Anthony Dowell no Covent Garden em 1982. Que maravilha. Uma noite e uma performance inesquecíveis. Lembro-me de não poder adormecer no meu quarto de hotel e de ter saído para passear no meio da noite por Mayfair!

Eu sempre achei impressionante como ela conseguia projetar-se no espaço, como se fosse muito maior do que realmente era. A primeira vez que percebi isto foi quando a assisti em „Le Sacre du Printemps“ de Glen Tetley em N.Y., ainda com o ABT.

Durante os anos 70 e 80 os „dissidentes“ estavam „in“: Natascha anunciou, durante uma Tournée do Kirov em Londres, sua intenção de permanecer no mundo Ocidental por necessidade de liberdade artística. Isto aconteceu em Londres em 1970.

Nureyev tinha ficado no Ocidente em 1961, Baryshnikov só viria em 1974, Goudonov (para quem as coisas nao „funcionaram“ tão bem) em 1975. Apesar da imprensa internacional citar muito mais os passos e peripécias de seus companheiros masculinos (as vezes também por razões de nenhuma forma relacionadas à danca) Natascha era A BAILARINA dos anos 70.


Uma outra „lenda“ para mim, Gelsey Kirkland (Vide minha postagem de 29.06.2009) admitiu em sua biografia, „Dancing on my Grave“, sempre ter copiado „descaradamente“ Natascha. Também na magreza.


Natascha influenciou toda uma geração de bailarinas. Infelizmente não é todo corpo que é tão „magro“ como o de Natascha. Muitas bailarinas do ABT, New York City Ballet etc. tiveram grandes distúrbios relacionados à bulemia e à anorexia – inclusive Gelsey (que hoje em dia prega o „Thin, in Ballet, is not „in“!).

Não devemos esquecer de sua remontagem de „La Bayadére“ ainda nos anos 70 e – bem depois de ter parado de dançar - seu „coaching“ com a maravilhosa canadense Evelyn Hart que „reinventou“ completamente suas Odette/Odille com um „empurrãozinho“ de Natascha.

Um de seus poucos „empreendimentos“, que realmente não me agradou, foi sua „excursão“ ao teatro Musical em „On your Toes“. Até hoje não compreendo como ela recebeu um „Tony“ em 1983, por sua atuação na Broadway. Achei-a terrível. Também seu discurso de agradecimento foi meio „embarassing“. Mas esta é uma opinião minha.

Existe em DVD um péssimo programa de televisão, do final dos anos 80, chamado „Natascha“ (a direção e a camera são reamente péssimas!) no qual uma curta cena de „On your Toes“ foi colocada. Nao acho que ela „falando“ esteja à vontade, „no seu elemento“ como na Dança. Uma bailarina tão maravilhosa… o que importa sua voz? Mas pelo que li Natascha tem trabalhado desde os anos 90 como atriz. Também em russo.


Existem dúzias de vídeos seus no Youtube… Odette, Odille, aulas, ensaios, Kitri, Julieta, Manon, Aurora, A Morte do Cisne… uma maravilha depois da outra. Quiz porém colocá-la aqui em Raymonda. Uma das minhas preferidas variações! Acho-a musicalmente de uma exatidão maravilhosa… perfectly pin-pointed (o que para mim significa nunca adiantar-se, nem que seja por um milésimo de segundo). Perfeita!
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sexta-feira, 3 de julho de 2009

Ser jovem, Artur da Távola, uma velha revista, um velho recorte...

Para vários seguidores das „Tertúlias“ a famosa „caixinha“ que encontrei depois de anos no porão de minha casa já é de certa forma familiar...

Graças à ela encontrei muitas fotos antigas, sketches de Cecil Beaton para My fair Lady, muitos escritos, lembranças e vários recortes de jornais e revistas. Alguns destes em ótimo estado, outros quase „esfarelados“ como é o caso deste recorte abaixo, com um texto magnífico de Artur da Távola (1936 – 2008) que recortei de uma revista, coloquei durante uma época no affichée do meu quarto de adolescente dos anos 70 e, como vem, guardei até hoje.

Que maravilha rele-lo...
Minha primeira reação foi procurar este texto no Internet – não encontrei ESTA versão, só uma outra que acredito que Artur da Távola tenha reescrito alguns anos depois mas que tem várias passagens identicas à versão que guardei por tantos anos… resolvi reconstruir o texto pouco a pouco e aqui o resultado. Adicionei algumas fotos – não sei se reconhecerão quem são… ou talvez?

„Vendo na televisão, a presença do jovem em tantas coisas – programas, novelas, anúncios, notícias – conclui-se: o jovem e a criança são reis da vida. Ora sendo refletidos em sua beleza e ingenuidade, ora sendo usados para fins mercadológicos, eles são a grande presença.

Foi pensando nisso que resolvi usar algo que há muito escrevi sobre o que é ser jovem.

Ei-lo:

SER JOVEM

Ser jovem é não perder o encanto e o susto de qualquer espera. É, sobretudo, não ficar fixado nos padrões da própria formação.
Ser jovem é ter abertura para o novo na mesma medida do respeito ao imutável. É acreditar um pouco na imortalidade da vida, é querer a festa, o jogo, a brincadeira, a lua, o impossível, o distante.
Ser jovem é ser bêbado de infinitos que terminam logo ali. É só pensar na morte de vez em quando. É não saber de nada e poder tudo.


Ser jovem é ainda acordar, pelo menos de vez em quando, assobiando uma canção, antes mesmo de escovar os dentes. Ser jovem é não dar bola para o síndico mas reconhecer que ele está na sua. É achar graça do riso, ter pena dos tristes e ficar ao lado das crianças.
Ser jovem é estar sempre aprendendo inglês, é gostar de cor, xarope, gengibre e pastel de padaria.
Ser jovem é não ter azia , é gostar de dormir e crer na mudança; é meter o dedo no bolo e lamber o glacê. É cantar fora do tom, mastigar depressa e engolir devagar a fala do avô.
É gostar da barca da Cantareira, carro velho e roupa sem amargura. É bater papo com a baiana, curtir o ônibus e detestar meia marrom.


Ser jovem é beber curvas, ter estranhas, súbitas e inexplicáveis atrações. É temer o testemunho, detestar os solenes, duvidar das palavras. Ser jovem é não acreditar no que está pensando exceto se o pensamento permanecer depois. É saber sorrir e alimentar secreta simpatia pelos crentes que cantam na praça em semicírculo, Bíblia na mão, sonho no coração.

É gostar de ler e tentar silêncios quase impossíveis. É acreditar no dia novo como obra de Deus. É ser metafísica sem ter metafísica. É curtir trem, alface fresquinha, cheiro de hortelã. É gostar até de talco.
Ser jovem é ter ódio de cachimbo, de bala jujuba, de manipulação, de ser usado.


Ser jovem é ser capaz de compreender a tia, de entender o reclamo da empregada e apoiar seu atraso. Ser jovem é continuar gostando de deitar na grama. É gostar de beijo, de pele, de olho. Ser jovem é não perder o hábito de se encabular. É ir para ser apresentado („ já conhece fulano?“) morrendo de medo.

Ser jovem é permanecer descobrindo. É querer ir a lua ou conhecer as Finlândias, Escócias e praias adivinhadas. É sentir cheiro de férias, cheiro de mãe chegando em casa em dia de chuva, cheiro de festa, aipim, camisa nova ou toalha lá do clube.


Ser jovem é andar confiante como quem salta, se possível, de mãos dadas com o ar. É ter coragem de nascer a cada dia e embrulhar as fossas no celofane do não faz mal. É acreditar em frases, pessoas, mitos, forças, sons, é crer no que não vale a pena mas ai da vida se não fosse isso.

É descobrir um belo que não conta. É recear as revelações e ir para casa com gosto do seu silêncio amargo ou agridoce.

Ser jovem é ter a capacidade do perdão e andar com os olhos cheios de capim cheiroso. É ter tédios passageiros, é amar a vida, é ter uma palavra de compreensão. Ser jovem é lembrar pouco da infância por não precisar fazê-lo para suportar a vida.

Ser jovem é ser capaz de anestesias salvadoras.


Ser jovem é misturar tudo isso com a idade que se tenha , trinta, quarenta, cinqüenta, sessenta, setenta ou dezenove.
É sempre abrir a porta com emoção. É esperar dos outros o que ainda não desistiu de querer.
Ser jovem é viver em estado de fundo musical, de superprodução da Metro. É abraçar esquinas, mundos, espaços, luzes, flores, livros, discos, cachorros e a menininha com um profundo, aberto e incomensurável abraço feito de festa, cocada preta, dentes brancos e dedos tímidos, todos prontos para os desencontros da vida.

Com uma profunda e permanente vontade de SER. ”


(Artur da Távola)