sexta-feira, 3 de julho de 2009

Ser jovem, Artur da Távola, uma velha revista, um velho recorte...

Para vários seguidores das „Tertúlias“ a famosa „caixinha“ que encontrei depois de anos no porão de minha casa já é de certa forma familiar...

Graças à ela encontrei muitas fotos antigas, sketches de Cecil Beaton para My fair Lady, muitos escritos, lembranças e vários recortes de jornais e revistas. Alguns destes em ótimo estado, outros quase „esfarelados“ como é o caso deste recorte abaixo, com um texto magnífico de Artur da Távola (1936 – 2008) que recortei de uma revista, coloquei durante uma época no affichée do meu quarto de adolescente dos anos 70 e, como vem, guardei até hoje.

Que maravilha rele-lo...
Minha primeira reação foi procurar este texto no Internet – não encontrei ESTA versão, só uma outra que acredito que Artur da Távola tenha reescrito alguns anos depois mas que tem várias passagens identicas à versão que guardei por tantos anos… resolvi reconstruir o texto pouco a pouco e aqui o resultado. Adicionei algumas fotos – não sei se reconhecerão quem são… ou talvez?

„Vendo na televisão, a presença do jovem em tantas coisas – programas, novelas, anúncios, notícias – conclui-se: o jovem e a criança são reis da vida. Ora sendo refletidos em sua beleza e ingenuidade, ora sendo usados para fins mercadológicos, eles são a grande presença.

Foi pensando nisso que resolvi usar algo que há muito escrevi sobre o que é ser jovem.

Ei-lo:

SER JOVEM

Ser jovem é não perder o encanto e o susto de qualquer espera. É, sobretudo, não ficar fixado nos padrões da própria formação.
Ser jovem é ter abertura para o novo na mesma medida do respeito ao imutável. É acreditar um pouco na imortalidade da vida, é querer a festa, o jogo, a brincadeira, a lua, o impossível, o distante.
Ser jovem é ser bêbado de infinitos que terminam logo ali. É só pensar na morte de vez em quando. É não saber de nada e poder tudo.


Ser jovem é ainda acordar, pelo menos de vez em quando, assobiando uma canção, antes mesmo de escovar os dentes. Ser jovem é não dar bola para o síndico mas reconhecer que ele está na sua. É achar graça do riso, ter pena dos tristes e ficar ao lado das crianças.
Ser jovem é estar sempre aprendendo inglês, é gostar de cor, xarope, gengibre e pastel de padaria.
Ser jovem é não ter azia , é gostar de dormir e crer na mudança; é meter o dedo no bolo e lamber o glacê. É cantar fora do tom, mastigar depressa e engolir devagar a fala do avô.
É gostar da barca da Cantareira, carro velho e roupa sem amargura. É bater papo com a baiana, curtir o ônibus e detestar meia marrom.


Ser jovem é beber curvas, ter estranhas, súbitas e inexplicáveis atrações. É temer o testemunho, detestar os solenes, duvidar das palavras. Ser jovem é não acreditar no que está pensando exceto se o pensamento permanecer depois. É saber sorrir e alimentar secreta simpatia pelos crentes que cantam na praça em semicírculo, Bíblia na mão, sonho no coração.

É gostar de ler e tentar silêncios quase impossíveis. É acreditar no dia novo como obra de Deus. É ser metafísica sem ter metafísica. É curtir trem, alface fresquinha, cheiro de hortelã. É gostar até de talco.
Ser jovem é ter ódio de cachimbo, de bala jujuba, de manipulação, de ser usado.


Ser jovem é ser capaz de compreender a tia, de entender o reclamo da empregada e apoiar seu atraso. Ser jovem é continuar gostando de deitar na grama. É gostar de beijo, de pele, de olho. Ser jovem é não perder o hábito de se encabular. É ir para ser apresentado („ já conhece fulano?“) morrendo de medo.

Ser jovem é permanecer descobrindo. É querer ir a lua ou conhecer as Finlândias, Escócias e praias adivinhadas. É sentir cheiro de férias, cheiro de mãe chegando em casa em dia de chuva, cheiro de festa, aipim, camisa nova ou toalha lá do clube.


Ser jovem é andar confiante como quem salta, se possível, de mãos dadas com o ar. É ter coragem de nascer a cada dia e embrulhar as fossas no celofane do não faz mal. É acreditar em frases, pessoas, mitos, forças, sons, é crer no que não vale a pena mas ai da vida se não fosse isso.

É descobrir um belo que não conta. É recear as revelações e ir para casa com gosto do seu silêncio amargo ou agridoce.

Ser jovem é ter a capacidade do perdão e andar com os olhos cheios de capim cheiroso. É ter tédios passageiros, é amar a vida, é ter uma palavra de compreensão. Ser jovem é lembrar pouco da infância por não precisar fazê-lo para suportar a vida.

Ser jovem é ser capaz de anestesias salvadoras.


Ser jovem é misturar tudo isso com a idade que se tenha , trinta, quarenta, cinqüenta, sessenta, setenta ou dezenove.
É sempre abrir a porta com emoção. É esperar dos outros o que ainda não desistiu de querer.
Ser jovem é viver em estado de fundo musical, de superprodução da Metro. É abraçar esquinas, mundos, espaços, luzes, flores, livros, discos, cachorros e a menininha com um profundo, aberto e incomensurável abraço feito de festa, cocada preta, dentes brancos e dedos tímidos, todos prontos para os desencontros da vida.

Com uma profunda e permanente vontade de SER. ”


(Artur da Távola)

Nenhum comentário: