segunda-feira, 20 de janeiro de 2014
Um punhado de pó (A Handful of Dust, 1988): a great british film
Publicada em 1934 esta „Novel“ de Evelyn Waugh (“Brideshead revisited”) foi considerada pelo Time Magazine uma das melhores „100“ novelas inglesas publicadas entre 1923 e o presente… “Um punhado de pó” (como “Handful of dust” foi traduzida para o portugues) nos fala da suave confrontação entre a alta burguesia e a classe mercantil, apaziguada pela discreta emergencia social de uns, pelo desejo de uma vida mais urbana de outros e pelo silencio dos realmente educados…
Tony e Brenda Last vivem numa casa que mais assemelha-se a um “bolo de noiva”. Hetton Abbey uma abadia em estilo gótico vitoriano, datada e fora de moda, para o gosto da época. John Beaver vem visitá-los um fim-de-semana. Este empobrecido emergente social ve num „caso de amor“ com Brenda uma chance de ascenção monetária e social. Ela, enfadada com a vida campestre, anseia por prazeres urbanos… Um "ajuda" o outro, por assim dizer.
Quando o filho dos Lasts more num acidente eqüestre, Brenda decide se divorciar. Tony concorda mas muda de idéia quando descobre que a famíla de Brenda (a pedido de Beaver) pede um arranjo finaceiro tão alto que obrigaria Tony a vender suas propriedades. Ele adia toda e qualquer decisão e decide tomar parte por seis meses numa expedição para o Amazonas. O destino começa a colocar “suas manguinhas de fora”.
Tony adoece sériamente (malária?) . Ele e seu companheiro, Dr.Messinger, são abandonados pelos caboclos que os acompanhavam. Não tendo outra opção Dr. Messinger tenta pedir ajuda, só, de barco, para morrer brutalmente num acidente numa catarata. Tony está agora só.
Tony acorda um dia numa aldeia, no meio da selva, distante completamente da civilização... Um mestiço de idade, um chamado Mr.Todd, pergunta-lhe se ele sabe ler. Respondendo „Claro“ ele assina para sempre a sua sentença de aprisionamento. Ele passa a ler Charles Dickens todos os dias, todo o dia para Mr.Todd.
Neste interim o relacionamento de Brenda com John Beaver esfriou, já que estava mais do que óbvio que ela não iria tornar-se uma rica divorciada.
Descobrindo que alguns ingleses estão na selva, Mr. Todd convida Tony para uma “festa” indígena. Nesta ele bebe uma mistura desconhecida para acordar no “dia seguinte” tremulo, doente. Mr. Todd revela misteriosamente que ele dormiu mais de dois dias… mesmo assim Tony não percebe a “trama” que foi feita ao seu redor… Só quando começa a procurar seu relógio recebe a resposta cínica que “alguns ingleses estiveram lá, procurando por ele, mas como ele dormia, Mr. Todd não pensou em incomodá-lo… mesmo assim deu seu relógio para eles, como prova de que tinha estado lá e não esqueceu de mostrar a cruz que haviam feito para ele “por ocasião de sua chegada” à aldeia”.
Ele encena a morte de Tony, que está agora "entregue" a ele.
Trama, intriga horrenda e diabólica.
Na Inglaterra Tony é declarado morto. Brenda, ainda não divorciada dele, recebe toda a herança e dedica um monumento colocado no jardim de Hetton ao seu marido, antes de novamente se casar e viver feliz para sempre…
Pobre Tony… O único personagem realmente “bom” desta “Novel” é o que mais sofre com o destino… em farrapos, num calor equatorial , este homem fino e educado passa o resto de sua vida lendo Charles Dickens em voz alta… repetindo livro após livro (Mr.Todd só tinha alguns…). E os monstros "vencem".
Há poucos dias reassisti a adaptação cinematográfica de 1988, dirigida por Charles Sturridge. Muito estranho o fato dela ter-me mais impressionado do que o livro. Mas quero rele-lo de qualquer forma…
Grande elenco: James Wilby como Tony, a lindíssima e talentosa Kristin Scott Thomas como Brenda, Rupert Graves como John Beaver e um maravilhoso Alec Guiness como o falso, egoísta e odioso Mr.Todd. Judi Dench assumiu o papel de Mrs.Beaver – a gananciosa mãe que guia os passos do filho cuidadosamente. Stephen Fry e Anjelica Huston são mais nomes preciosos para o elenco.
Mas algo não sai de minha cabeça: a relação entre esta estória, o porque de ter-me deixado tão revoltado e um discurso que assisti há pouco tempo de Lizzie Velasquez, uma “motivadora oral”. Ela pergunta simplesmente ao seu publico: “O que é que realmente os define? Que características?”. Esta pergunta que sempre me coloco e que é tão difícil de responder… Normalmente sabemos o que NÃO nos define mas coragem é necessária para admitir a si mesmo o que realmente o faz. E “Um punhado de pó” muito me ajudou. Pelo menos num ponto da minha “definição”.
Este título (A handful of dust), aliás, é uma referencia a um poema chamado “The Waste Land” de T.S.Eliot:
I will show you something different from either
Your shadow at morning striding behind you
Or your shadow at evening rising to meet you;
I will show you fear in a handful of dust.
Leiam só o final: “Eu lhe mostrarei medo num punhado de pó”…
A manipulação, a falsidade com a qual o personagem de Tony é tratado por Mr. Todd me revolta extrememente. E poucas coisas existem que tanto me incomodem quanto o sentimento de estar sendo manipulado. Talvez só mesmo o sentimento de impotencia, o não poder decidir por mim mesmo o que quero – ou melhor colocado: a impotencia de ser confrontado com uma decisão (final) tomada para mim mas não por mim… Muitos chamariam isto de "sentido de liberdade". Eu considero a coisa mais complicada do que isso.
Um crítico colocou muito bem em palavras o que sentimos assistindo o filme:
"A Handful of Dust" is about two monsters of selfishness and the suffering that they cause. One is a woman who takes a young lover, and willingly destroys her family and its traditions in the process. The other is a man who likes to be read aloud to. The victim of both of these creatures is one of the nicest men you'd ever want to meet, a British aristocrat named Tony Last , who foolishly allows himself to trust in traditions."
(“Um punhado de pó“ é sobre dois monstros de egoísmo e o sofrimento que eles causam. Um é a mulher que pega um jovem amante, e propositalmente destrói sua família com suas tradições neste processo. O outro é um homem que gosta que leiam alto para ele. A vítima destas duas criaturas é o homem mais agradável que voce conhecerá na sua vida, um aristocrata britanico chamdo Tony Last, que bobamente se permite acreditar em tradições”)
e
"A Handful of Dust" has more cruelty in it than a dozen violent Hollywood thrillers, and it is all expressed so quietly, almost politely."
“Um punhado de pó“ possui mais crueldade em si do que uma dúzia de violentos suspenses de Hollywood e é todo expressado tão calmamente, quase como que cortesmente”
Sim, talvez só um punhado de pó… mas de tão grande sensibilidade.
Como a capa do DVD coloca simples- e perfeitamente: “ A great british film”. Sim, grande!
Recomendo.
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