Vivendo desde 1981 na Europa aprendi, no que diz respeito à „casa“, não só a fazer mil coisas que jamais teria aprendido no Rio de Janeiro mas também a dar um grande valor às empregadas, às domésticas, às "escravas" do século XXI, como bem documentado em „Profissão: Doméstica“, um fantástico documentário de 1993 de Sérgio Goldenberg, que recebeu o „North-South Award“ no Festival Nord-Sud em Genebra (Se alguém o tiver e tiver como fazer-me uma cópia… Um filme com muito humor e de uma sensibilidade fora do comum).
As pobrezinhas que chegaram de algum lugarejo do interior (onde deveriam ter permanecido), com uma trouxa ou, na melhor das hipóteses, com uma malinha, os sonhos de Cinderella, de „cidade grande“ dentro da bolsa a tiracolo de matéria plástica ao lado da revista „Amiga“… Muitas querem ser „artista da Globo“ ou até "modelo", mas com o passar do tempo e com a perda dos dentes, passam a ter um orgulho das casas onde trabalham, como se fossem suas… Maravilhosos diálogos deste documentário nos mostram como estes anjos pensam. Sim, estes „anjos“ que estão alí, dia após dia, com uma folga talvez por quinzena, limpando, arrumando, lavando, passando, levando as crianças à escola, tomando conta delas, levando o cachorro para passear, indo buscar cigarro no bar da esquina, fazendo compras e às vezes até cozinhando. Por um salário de fome. Como uma coitadinha, chamada Selma, que conheci uma vez numa casa da Urca. Nessa casa de classe média alta falida, onde tudo é de „razoável“ bom-gosto, leva-se um choque no momento em que se sai da sala e entra na cozinha: à partir d’aí tem-se a impressão de estar numa „Senzala“. Assim moram muitas destas pobrezinhas. E mesmo assim sabem sorrir.
E as „empregadas“ do Cinema?
Fico pensando nas atrizes que ao longo dos anos foram as „domésticas“ da sétima arte.
Durante uma longuíssima época a cor da pele definia quem faria os papéis das empregadas.
Hattie McDaniel foi uma destas atrizes que (apesar do Oscar que recebeu em 1939 por sua „Mammy“ servindo Vivien Leigh em „Gone with the Wind“ „…e o Vento levou!“) foi sempre condenada aos papéis de doméstica.
A engracadíssima Butterfly McQueen (Prissy, que também servia Vivien Leigh em GWTW)
foi outra que nunca conseguiu libertar-se deste tipo de papel. Aqui em „Mildred Pierce“ (Warner, 1944) filme no qual servia Joan Crawford.
E até Billie Holiday (em 1947 em seu único papel cinematográfico no esquecido „New Orleans“, junto a Louis Armstrong) deu vida à uma empregada: neste filme a tristeza de Billie é quase palpável. Ela estava completamente indignada com seu papel…
Em 1944 Marjorie Main servia a família de Judy Garland em „Meet me in St. Louis“ – uma engraçada, decidida e meio mal-humorada doméstica…
Mas foi a magnífica atriz Judith Anderson que elevou um „papel de doméstica“ a um papel secundário de vital importancia – mesmo que maléfico – em „Rebecca“ (1940), servindo (e odiando) Joan Fontaine.
Alguem ainda se lembra da eficiente "Rosinha" dos Jetsons?
e da Anastácia (Jacira Sampaio)de Monteiro Lobato no "Sítio do Picapau Amarelo"?
Para mim a doméstica eterna sempre será Thelma Ritter que deu vida à várias... Sempre engraçadas, espirituosas.
Como em „All about Eve“ (A Malvada, 1950) servindo Bette Davis
Ou em „Janela Indiscreta“ (The rear Window, 1954) servindo James Stewart e investigando ao lado de Grace Kelly
Ou até como uma doméstica bebada inveterada (ela sempre chegava pela manha de ressaca) em „Pillow Talk“ (Confidencias à meia-noite, 1959) ao lado de Rock Hudson e servindo Doris Day (que sempre lhe servia um Bloody Mary de manha!)
E para finalizar duas „domésticas“ de uma outra categoria: Glenda Jackson e Susannah York (duas das minhas atrizes preferidas) como Solange e Claire, no mórbido porém grande filme „The Maids“ (1974) baseado na peça de Jean Genet. Duas empregadas irmãs, completamente alucinadas que acabaram matando a patroa, Vivien Merchant…
Admiro-me como isto não acontece com mais frequencia…
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