Porque uma postagem aqui dedicada a um livro de receitas? Bem, para mim cozinhar (bem) é e sempre será uma grande Arte!
Antes do Internet entrar em nossas vidas (também na cozinha) o livro de receitas de „Dona Benta“ era, desde os anos 40, de suma importancia, quase um “manual”, para grande parte de brasileiros que moram no exterior e que de vez em quando querem cozinhar qualquer “coisinha” brasileira ou para si ou para seus convidados, o que sempre tem um “touch” exótico, de cor e de calor num dia gelado de inverno!
Eu mesmo tive uma (curta) fase na qual fiz o estilo “Casa Grande & Senzala”, de branco, servindo Bobós de Camarão, Vatapás e até (pasmem!) Acarajés em pratos, cumbucas e tigelas ou de barro ou de madeira decoradas com folhas de bananeira, doces que abusavam do direito de serem doces (que nunca fizeram muito “sucesso” aqui) como cocadas, bolos de coco e abacaxi ou doces de abóbora com coco acompanhados de cafézinhos servidos em xícaras de barro (Sempre considerei servir o açúcar numa tigela aberta de barro como uma coisa “bem” brasileira, interessante, exótica... porque não sei até hoje! Devo ter visto em algum lugar...).
Esta fase, como já mencionado acima, não durou muito. Tudo dava muito trabalho e era uma coisa meio “phoney”, meio “carnavalesca”... (Logo para mim, que cresci comendo Gulasch e Arenques!).
Além disto, com o passar dos anos fomos também nos dando conta de quão caras e “fora de contexto” eram certas receitas... bolos com 1 kg. de açúcar, 12 ou 18 ovos... E isto é fato neste livro... receitas que foram escritas em outras épocas, épocas de "vacas gordas". Hoje seriam receitas especiais para donos de fazendas, granjas e açudes... Pensen no Colesterol e Diabete causados por Dona Benta! Haja!
Nos últimos 20, 25 anos fomos porém concientizando-nos de uma forma mais leve, mais frugal de alimentarmo-nos (Mas apesar disto, sempre que vou ao Brasil, o que acontece muito raramente, adoro ir fazer uns “lanches” - nao se dizia “merendar”? - no “Cirandinha” em Copacabana para comer empadinhas de palmito e galinha, coxinhas, risólis de camarão, bolinhos, cajuzinhos e brigadeiros... Tudo “regado” com muito Guaraná! Eu sei, coisa completamente “out” no Brasil... mas quem mora fora de lá, adora! Não me convidem para comer Sushi no Brasil... ).
Bem, todos nós entendemos muito mais hoje em dia de Colesterol, Ácido Úrico, Diabete, Pressão alta, Gorduras, Açúcar, Química etc. etc. Por isto quero relatar a minha surpresa e felicidade ao encontrar numa livraria do Fashion Mall de São Conrado uma nova versão de “Dona Benta” completamente relaunched! Tenho que mencionar antes de acabar este relato que sou uma pessoa bem “low-profile”, não gosto de chamar atenção na rua ou em qualquer lugar. Isto é “herança” dos meus pais... Por isto exatamente foi ainda maior minha surpresa com o sucedido...
Abri logo o livro e comecei a ler uma receita... Sim, os tempos tinham realmente passado, uma conscientização em termos de nutrição havia já sacudido o mundo inteiro, livros como “Recipes for a small planet” já tinham sido publicados, lidos, relidos e novamente publicados, um cuidado com a alimentação tinha-se tornado uma condição Cinequanon da vida e alí, na minha frente, o “manual” finalmente atualizado! Sim! Dona Benta relaunched!
Não confiando nos meus olhos, como que para poder acreditar, pus-me a ler em voz alta para a minha prima a receita abaixo. Imaginem só, uma receita impressa no século XXI! Vide a página 223!
Cito:
O peru é o principal prato de nossos banquetes e o prato predileto do Natal na América do Norte.
Pouco antes de MATAR o peru, de-lhe, às colheradas, um bom COPO DE CANINHA e quando ele ficar bem BEBEDO, caído, MATE-O, CORTANDO-LHE o pescoço, mais ou menos no meio, SEPARANDO assim a cabeça do corpo; DEPENDURE-O pelas pernas para que o SANGUE escorra bem e comece imediatamente a DEPENÁ-LO, porque enquanto está quente será mais fácil, pois os perus devem ser depenados a seco, isto é, sem ser molhados em água fervente. Depois de depenado, CHAMUSQUE-O em fogo forte para lhe tirar as penugens e em seguida esfregue-o com fubá amarelo para que fique bem claro. Feito isto, TIRE-LHE o papo, com muito cuidado para não o furar, o que conseguirá CORTANDO o pescoço bem rente, depois de arregaçar a pele que o envolve, pois esta deve ficar do mesmo tamanho que tinha quando o peru foi morto. Cortado o pescoço, ABRA um pouco a pele pelo lado posterior e retire o papo. Abra o peru em baixo DAS PERNAS, RETIRANDO as tripas, a moela, o fígado, o coração, limpando-o muito bem; lave em seguida em água corrente tanto o papo como a parte de baixo, faça um CORTE junto da mitra, ENFIE aí as pernas do peru, DOBRE AS ASAS para trás e leve-o para um alguidar grande ou para uma bacia de cozinha... e assim continua....
Estória da terror? Manual para Jack the ripper? Pobre peru!!!!!
Tenho que dizer que achei a situação tão absurdamente engracada que “dramatizei” um pouco a leitura da receita de perú dando certas “enfases” (em pontos óbvios). Não tinha notado que ao meu redor tinham-se juntado vários clientes da livraria que ouviam-me atentamente .Deram-me um grande aplauso e “Bravos” ao final da leitura. Que susto e surpresa!!!
Um dia deveríamos conversar mais sobre Dona Benta... sobre seu outro lado, nao sobre a inimiga dos perus! Quem ainda se lembra deste livro da minha infancia?
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