sexta-feira, 23 de maio de 2008

Gaslight - um drama vitoriano e claustrofóbico

Uma grande adaptação da peca homônima de 1938 de Patrick Hamilton. Este filme de 1944 foi a segunda versão cinematográfica; a primeira sido feita no Reino Unido quatro anos antes, dirigida por Thorold Dickinson e estrelada pelo muito sinistro Anton Walbrook e Diana Wynyard (Quando a MGM comprou os direitos para na realidade, fazer um “remake” do filme inglês, comprou também os direitos sobre o filme de Dickinson e além de tirá-lo imediatamente de circulação tentou, sem sucesso, destruir todas as cópias existentes do filme). A versão de Hollywood, dirigida pelo artesão e “woman’s director” George Cukor, é um magnífico filme de “supense”, definitivamente muito psicológico. Cukor já havia dirigido filmes “de época” como “Little women” (1933), “David Copperfield”(1935) e “Camille” (1936) mas nenhuma destas produções pode comparar-se ao pêso do decór vitoriano de “Gaslight”. Suntuoso e ao mesmo tempo tao simbólico que nao só os personagens, ou melhor, Paula, a personagem central da trama, sofre com a opressão desta casa mas todos nós, pobres expectadores, passamos a sentir e sofrer como ela sob a mesma pressão claustrofóbica que este/s set/s da mansão vitoriana na “lúgubre” Thorton Square nos causa...
O mesmo melodrama “gótico” da mulher martirizada e ameaçada entre suas quatro paredes sempre foi muito eficaz e popular no cinema. Esta “fórmula” foi repetida várias vezes (algumas vezes até sem um “happy-end”): “Rebecca”, “Suspeita”, “Sombra de uma dúvida” (todos os três de Hitchcock... coincidência?), “Jane Eyre”, “Laura”, “The conspirator” e o inesquecível “Sorry, wrong number” de Anatole Litvak com a antipatissíssima, porém incrível, Barbara Stanwick, só para citar alguns exemplos.

A peça de Patrick Hamilton, chamada “Gas light” foi publicada pela primeira vez em 1939. Quando foi produzida na Broadway em 1941, foi retitulada “Angel Street” - e ficou três anos em cartaz com um elenco de muito pêso, liderado na primeira temporada por Vincent Price e por uma magnífica Judith Anderson – quem poderá jamais esquecer-se da maníaca, apaixonada (por Rebecca), perversa e louca “Miss Danvers” de “Rebecca”? E da espôsa de “Big Daddy” em “Cat on a hot tin roof”??? O mesmo Hamilton, tinha escrito a peça de suspense “Rope” em 1929 que em 1948 foi filmada por Hitchcock e que no Brasil chamou-se “Festim diabólico”.

Um detalhe muito interessante de como a arte realmente influência a vida é que uma expressão “nova”, na língua inglêsa, surgiu com esta peça/filme: “to gaslight someone” significa “deliberadamente levar alguém à loucura por psicológicamente manipular seu meio-ambiente e também fazer uma pessoa acreditar, por meio de truques, que está insã”.

Charles Boyer (nominado para o Oscar de melhor ator), Ingrid Bergman (Oscar de melhor atriz de 1944) e Joseph Cotten lideram o elenco (os dois últimos ainda com muita publicidade extra por aparecerem “por cortesia de David O. Selznick”, com quem tinham um contrato na época). Dame May Whitty é uma maravilhosa vizinha bisbilhoteira e uma “menina” de 18 anos chamada Angela Lansbury, fazendo seu debut no cinema, rouba várias cenas como uma antipática empregadinha doméstica que “maltrata” a (quase louca) Paula (Lansbury foi indicada também para um Oscar de melhor atriz coadjuvante, como seria novamente no ano seguinte por seu desempenho como Sybill em “The picture of Dorian Gray”. Lansbury foi nominada uma terceira vez mas nunca recebeu o Oscar. O pior porém foi ter sido nominada 18 vezes para um Emmy e nunca ter vencido...).
Eu particularmente acho que Boyer está fantástico como “Gregory Anton/Sergius Bauer”. Nenhuma menção é porém feita à nacionalidade de Paula (no original 100% inglêsa) deixando assim Ingrid Bergman mais cômoda com seu sotaque suéco (e sem nenhum vestígio de um sotaque britânico). O mesmo sucede com Joseph Cotten.
Mas estas são pequenas liberdades que Hollywood, ao meu ver, pode tirar. Triste mesmo é ver Salomé casada com João Batista no final daquele terrível filme com Rita Hayworth... Mas esta é uma outra estória que, aliás, deveremos um dia abordar aqui... Nossa, ainda há muito pano para manga!

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