Contraltos…
Este timbre vocal que contínuamente mais e mais desaparece com o passar dos anos… Não é à toa que Mezzos, como Christa Ludwig, e até Sopranos líricos como Waltraud Meyer, tenham “assumido” nas últimas décadas o trabalho dos Contraltos como, por exemplo, em “Das Lied von der Erde” de Gustav Mahler, compositor de grande importancia na carreira de Kathleen Ferrier (Pergunto-me se este “desaparecimento de um tipo de voz tem alguma causa genética? Pelo menos na Europa Central ouve-se cada vez mais mulheres com vozes finas e estridentes, como gralhas… na rua, na televisao, no rádio…).
Começando sua vida professional como telefonista, Ferrier (que na realidade era pianista) foi descoberta por mero caso, debutou como cantora muito tarde aos 30 anos e transformou-se em questão de dez anos numa amada artista internacional – da dona de casa ao homem de negócios, do trabalhador de fábrica à futura Queen Elizabeth, todos seus fãs. Sua reputação ainda lhe faz justiça: o maior contralto lírico que a Inglaterra já produziu e, sem dúvida, a mais emocional cantora de Oratórios.
Ferrier construiu um interessantíssimo repertório durante sua curta carreira , mesmo que para alguns um pouco “peculiar”: Lucretia de Britten, que foi composta para ela, Orfeo em “Orfeo ed Euridice” de Gluck (“The Rape of Lucretia” e “Orfeo” foram as duas únicas Óperas que cantou), Purcell, Bach, Canções inglesas, Oratórios de Haendel, Elgar e mais tarde Brahms, Schubert, Schumann e, notávelmente, Mahler (quando o “departamento alemão”/ “das deutsche Fach”, principalmente as “Lieder” tornaram-se quase uma obsessão).
Sua voz que ainda hoje, depois de quase 60 anos de ter-se silenciado, é imediatamente reconhecida pelo seu timbre único, reflete o amor e a profunda compreensão que tinha pela música que interpretava, pela sua arte. Ela é vibrante, clara, de uma articulação perfeita e, acima de tudo, despretensiosa. Sim, despretensiosa. Rara qualidade que a torna simples, verdadeira, ao comunicar seus sentimentos. Um canto honesto, cheio de grande convicção e dignidade (“aquela qualidade inglesa” que nos faz perguntar, como alguém uma vez brilhantemente disse um dia, o porque de terem perdido a Índia…).
Sua vida e morte possuem “um que” quase literário. Mas jamais de um sentimentalismo barato. Kathleen só deixou-se levar emocionalmente pela música.
Por outro lado a tragédia de sua doença nos faz indagar sobre o que pensava, sobre o que se passava no seu interior ao interpretar “Kindertotenlieder” (Chants sur la mort des enfants – nao conheço uma tradução para o portugues) de Mahler, por já estar muito doente na época em que as gravou.
Alguém uma vez contou: “Ela não deixava ninguém ver o seu interior; só pouquíssimos viram mais do que a face que ela apresentava ao mundo. Mesmo assim nenhum deles conseguiu olhar profundamente dentro de sua alma”.
Kathleen adoeceu gravemente em 1951 com cancer de mama. Em 53 este já havia-se alastrado pelo seu corpo e ossos e em fevereiro deste ano, durante o segundo ato de uma apresentação de “Orfeo ed Euridice” seu femur sofreu uma fratura espontanea causando-lhe imensa dor. Sem mover-se ela terminou a Ópera, o público nada percebendo. Levada para o hospital, ela faleceu em outubro. Só tinha 41 anos.
Mas esta nao é a real razão desta tertúlia (como porém resistir a contar alguns fatos sobre tão interessante personalidade?) e sim um curto momento na época de seu Début no Festival de Salzburgo sob a direção de ninguém menos que Bruno Walter, o grande maestro austríaco com quem teve uma relação profissional de quase filha e pai:
“Das Lied von der Erde” (A Canção da Terra) de Mahler não é só técnicamente difícil como também emocionalmente forte. Durante as últimas notas a palavra „ewig“ (para sempre) é várias vezes repetida. Kathleen, tomada pela emoção do momento, não conseguiu cantar os tres últimos “ewig” por causa das lágrimas que lhe escorriam pelo rosto e caiu num grande choro, soluçando em palco aberto… Por esta “falta de profissionalismo” ela implorou o perdão de Bruno Walter que, também emocionado, contestou: “Querida Miss Ferrier, se todos nós (referia-se à Filarmônica de Viena) fossemos tão profissionais como a Senhora, estaríamos todos nos desfazendo em lágrimas”.
Que generoso momento…
Aqui uma curta parte de "Kindertotenlieder"...
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