sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

"Candide": de Voltaire a Leonard Bernstein


Ah, “Candide”...
Há dois anos, eu finalmente coloquei o meu exemplar de Candide de Voltaire na minha mala de viagem (vide acima) e, depois de vários anos na minha estante (tenho uma prateleira que acumula os livros que ainda não foram lidos) levei-o para umas férias que passei no Algarve/Portugal.
E que pena que não tinha lido este livro antes... Um dos trabalhos mais cheios de humor e graça que li na minha vida. Devo ter apresentado uma figura muito estranha para os outros clientes do hotel... Eu normalmente tenho que proteger-me muito do sol... e com toda a idumentária “anti-sol” e chapéu e óculos, lá estava eu sentado debaixo de uma barraca gigante, simplesmente às gargalhadas, altas gargalhadas... morrendo de tanto rir... sem poder controlar-me!
“Candide” é a estória de um homem muito gentil, que é dragado, sugado, levado e esbofeteado pela vida e suas eventualidades como catástrofes, guerras, roubos, intrigas, mentiras e desilusões. Mesmo assim ele acredita viver “no melhor de todos os mundos possíveis” (“It’s the best of all possible worlds!”). Superficialmente poderia-se interpretar esta Novella como uma “estorieta” do século 18 mas abaixo da superfície se encontra uma reposta bem satírica à certas interpretações e tentativas filosóficas da época (também da igreja católica) que pregavam que qualquer desgraça e sofrimento são partes “benevolentes do plano cósmico” e necessárias para nossa vida e desenvolvimento espiritual. Como aquela séria besteira que muita gente diz até hoje: é necessário sofrer...
A narrativa de Voltaire, o mestre imortal, é rápida, fácil de ler, digerível, ousada e muito, muito engraçada. Na verdade hilariante! Candide cruza o mundo... da Westphalia (onde morava num Castelo, o “Schloss Thunder-ten-thronckh") à Franca, depois Lisboa durante o terremoto... cruzando o mundo para Montevideo, Buenos-Aires e toda a América-do-Sul até encontrar “Eldorado” para voltar à Europa riquíssimo e depois ir para Constantinópola e ficar palpérrimo... sómente para estar junto de sua amada Cunigunde e para para descobrir (ao contrário dos ensinos de seu mestre Dr.Pangloss) que nem sempre “tudo acontece para o melhor” (“It all happens for the best”!).

“Candide” de Voltaire é uma pequena Novella e obra-prima que insiste em nos divertir e fazer rir. “Candide” de Bernstein, além de uma abencoada idéia, é uma Operetta na qual todos ensistem em cantar – e muito – para nosso deleite! E nao deixem-se irritar pelo “rótulo” Operetta... A música é fascinante!

Um título musicalmente realmente muito considerado e respeitado, “Candide” não teve em 1956 nem o sucesso nem uma recepção como merecia. Talvez pelo fato da sua ironia e ousadia não terem sido muito bem captadas, entendidas ou até aceitas pela América do Norte dos anos 50, tão cheia de pudores. E imaginem só logo quem contribuiu “palavras” para as lyrics: as ousadas e política- e ideológicamente corajosas Lillian Hellman e Dorothy Parker e também Stephen Sondheim entre outros!!!!!!

Em 2005 “Candide” teve finalmente uma belíssima recepcao: No Lincoln Center.
A produção “concertante” atreveu-se com seis intérpretes principais, vários secundários, dois côros (um bem “clássico”, o Westminster Chorus e outro, The Julliard Student Chorus, que se movimenta mais e faz vários papéis) e a New York Philarmonic (conduzida pela “elétrica”, incrívelmente musical Marin Alsop) a dar uma nova “leitura” desta Operetta.

Candide é interpretado pelo fantástico e internacionalmente aclamado tenor Paul Groves, com um timing comico pouco comum em cantores líricos. Que voz...

Cunegunde é um prato cheio para a incomparável Kristin Chenoweth. Não só para divertir-se (e como ela se diverte...) como também para nos encantar, deleitar, impressionar, fazer rir e deixar completamente estonteados com tanto talento. Ela é – desculpe-me Barbara Cook (a primeira Cunegunde de Bernstein) a definitiva encarnação de Cunegunde já que a interpreta nao só “bonita” e "straight" (como geralmente numa operetta) mas extremamante cômica! Kristin, mais uma vez, consegue aqui, no puro sentido da palavra, “arrasar”. Uma maravilha! ( Sua ária “Glitter and be gay” é recebida por um tao longo aplauso que este teve que ser reduzido no DVD pois durava muito!).

A “Old Lady” (with one buttock...) é interpretada por ninguém menos do que Patti LuPone – O que mais posso dizer? Uma jóia de interpretação. Tenaz, exuberante, excitante...

Também Dr. Pangloss (Sir Thomas Allen, que é também o narrador), Maximiliam (Jeff Blumenkrantz) e Paquette (Janine LaManna) nao deixam-se intimidar pelo grande talento dos três primeiros citados e são maravilhosos.
Um detalhe interessante é que protagonistas, secundários, coros e orquestra encontraram-se pela primeira vez quatro dias antes do primeiro espetáculo (ao todo foram só quatro espetáculos!).

A coreografia é precisa e ideal para os protagonistas (que não são bailarinos), o guarda-roupa é perfeito... “cheira” a Voltaire! A direção é animada, dinâmica, engraçada, ousada (só o fato do padre “gay” e da crítica aos judeus é em si, hoje em dia ainda (e de novo), uma ousadia!), cômica, propositalmente exagerada e depois de mais de duas horas um se pergunta: “Mas já acabou? Já? Ohhh... Que pena!”

Na noite da Premiére o filho de Bernstein, Alexander Bernstein, correu para Lonny Price (Direção) e disse: “This is exactly what my father would have wanted”. Mais tarde suas duas irmãs Jamie e Nina, articularam semelhantes pensamentos.

Divertimento de altíssimo nível...

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