quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Le Boeuf sur le Toit & o magnífico Alexandre Tharaud




Lendo no momento „Les années folles / Os anos loucos” de William Wiser (presente dado com muito carinho por amigas muito queridas!) nada mais adequado do que compartilhar um pouco do que me vem "ocupando" há semanas e um pequeno conhecimento sobre “Le Boeuf sur le Toit” que se encorporou a mim… mais um daqueles conhecimentos "inúteis" que são extremamente essenciais para mim...


Sempre tive curiosidade em saber por que uma improvisação de Jazz, uma “Jam Session” é chamada em frances de “Faire le Boeuf”… Pois é: não existem coincidencias !

“Le Boeuf sur le Toit”
(O boi no telhado) é o nome do famosíssimo café-bar-restaurante, fundado em 1921 que se encontrava originalmente na rue Boissy d’Anglas no oitavo “Arrondissement” parisiense. Curiosamente o compositor Darius Milhaud tinha estado no Brasil e ficou muito impressionado com uma música folclórica da época chamada “O boi no telhado” (!?! alguém conhece ?!?). De volta à França em 1919 ele fundou um grupo musical chamdo “Les Six”. Jean Cocteau era um informal membro do grupo e algum depois fez a coreografia (conheciam este lado de Cocteau?) para uma nova composição de Milhaud, chamada “Le Boeuf sur le Toit”. Esta, um ballet, tornou-se tão popular que podia-se ouví-la «muy amenudamente» tocada pelo próprio Milhaud e Georges Auris e (pasmem) Arthur Rubinstein à seis mãos num local chamado “La Gaya”. Foi então que a constante presença de Cocteau e seu círculo fizeram de La Gaya um local tão popular que em dezembro de 1921 o dono mudou seu bar para a rue Boissy d’Anglas e lhe deu o nome de «Le Bœuf sur le Toit». O bar-restaurante-café tornou-se tão popular que até hoje se acredita que o ballet recebeu seu nome por causa da fama do «bar». Exatamente o contrário foi o que aconteceu.


Le Boeuf sur le Toit foi um grande sucesso a partir do dia de sua abertura. E tornou-se o centro da sociedade intelectual parisiense ao longo dos anos 20. Diz-se que na noite de sua estréia o pianista Jean Wiéner tocou Gershwin acompanhado de Cocteau e Milhaud na bateria… Nesta mesma noite estavam na platéia Pablo Picasso, René Clair, Sergei Diaghilev , Maurice Chevalier... e depois vieram os Fitzgeralds (Scott & Zelda), Hemingway, Dorothy Parker, Allan Campbell, Lillian Hellmann e todos os maravilhosos artistas de todos possíveis setores que habitavam – por causa da extrema desvalorização do Franco – a maravilhosa Paris…

Sim…

"Le Boeuf sur le Toit - Gala 1922"

Sim, artistas de todos os setores vinham para “Le Boeuf”. Pendurado numa parede estava o (agora) famoso quadro dadá “L’Oeil Cacodylate” de Picabia.. Mas a função básica do bar era ser “um templo” para a música: podia-se ouvir Wiéner tocando Bach, Marianne Oswald cantando canções de Kurt Weill. Lá se via Stravinsky, Francis Poulenc, Catherine Sauvage e Erik Satie! Músicos de Jazz apareciam por lá depois de terem feito suas próprias aparições em outros clubes e tocavam até altas horas da madrugada… Paris era a capital do jazz! E daí, de lá, vem a expressão “Faire un Boeuf” (na realidade uma alusão ao local) quando se trata de uma “Jam Session” – vamos agora procurar o por que da expressão “Jam Session”…

Mas não devemos esquecer do virtuosos pianista belga Clément Doucet tocando Cole Porter, Gershwin e seu trabalho, seu maravilhoso trabalho… Apesar de ter tido sua formação como pianista clássico ele esteve tres anos nos U.S.A. onde se aprofundou na técnica do jazz, principalmente no que diz respeito ao trabalho da mão esquerda no piano…

Foto da mao esquerda de Alexandre Tharaud (copyright Mathurin Bolze)

Quando retournou à Europa tornou-se pianista de «Le Bœuf», sucedendo Wiéner, com quem depois formou uma “dupla pianística” de 1924 a 1939. Juntos deram mais de 2000 concertos e fizeram mais de 100 discos de jazz, blues e música clássica, além de terem acompanhado grandes chansonniers como Piaf, Maurice Chevalier e o maravilhoso, esquecido, Jean Sablon!


Doucet teve a grande inventividade (e genialidade) de transformar em “Ragtime” duas obras… A primeira “Isoldina”, baseada em “Mild und Leise” (Liebestod/ A morte pelo amor), última parte de “Tristan und Isolde” de Wagner, que “acaba” literalmente com qualquer soprano que já está no palco cantando há cinco horas… Ouçam esta delícia…



A segunda, sua maior obra ao meu ver, é “Chopinata”, um tributo “ragtimesco” ao trabalho de Chopin!
Obra de genialidade única…


E é aqui que entra Alexandre Tharaud (nascido em 1968), magnífico pianista frances nesta postagem! Grande artista que começou seus estudos aos 5 anos de idade. Com 14 entrou no Conservatório de Paris. Desde os 17 tem uma belíssima carreira… Chopin, Scarlatti, Bach, Schubert


Agora lançou um novo CD, sua mais "louca, desvairada aventura" pelo mundo da música , o maravilhoso «Le Bœuf sur le Toit – swinging Paris»b>, no qual toca no seu maravilhoso piano, sem nenhum outro acompanhamento, os grandes arranjos que foram feitos nos anos 20, neste incrível restaurante-café-bar com os trabalhos de Gershwin, Donaldson, Cole Porter, H.H. Brown, para citar só alguns, inclusive Doucet… Sim os maravilhosos arranjos de «Isoldina» e «Chopinata» estão aqui neste CD, preservados para futuras gerações, tocados pelo jovem mestre… Que maravilha!


Logo Tharaud, logo ele, não quer ter um piano em sua casa pois acha que se dedicaria mais ao trabalho da improvisação do que à ardua prática técnica diária… de que prazeres nos estará privando?



Posso ser muito sincero? Quando penso nos “Années folles” me pergunto: porque tive que nascer em 1960? Ou será que estava lá, em outra encarnação ?

Dedico esta postagem às amigas que me deram de presente este livro ao incrível, que me fizeram ficar com «as orelhas em pé» quando ouvi no meu querido programa de rádio «Pasticcio» (que ouço todo dia quando estou dirigindo para o trabalho) esta matéria sobre “Le boeuf sur le Toit”, “les Années folles », Doucet e Tharaud… Não existem realmente coincidencias, não é verdade??



P.S. (26.09.2013) :
Por motivos que só eu poderia explicar, esta postagem só será colocada no ar no dia em que minha querida amiga – que também me presenteou o livro “Les années folles” – voltar para casa do hospital depois de um “sustinho que nos pregou”.
Prometi isso.
Bem-vinda em casa, minha querida, e muitos beijos!

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