terça-feira, 27 de novembro de 2012

La Bayadère: A morte de Nikiya (e o amargo sabor da injustiça deliberada)


Triste, amargo sabor…

Uma cena em “La Bayadère” sempre me causa um desconforto imenso… analisando objetivamente o que sinto chego a conclusão que é esta vulneribilidade, indefensibilidade, destrutibilidade absurda que tanto me magoa. E esta terrível incapacidade de poder reagir, de poder se defender…


O que sinto quando penso em injustiça é um dos sentimentos que me causam mais dor, quase desespero pois fico realmente sem ar ao presenciá-la, vive-la… Esta reação é talvez equiparável para mim só ao que sinto em relação à inveja ou à deliberada crueldade… Me faltam as palavras para poder expressar o que realmente se passa dentro de mim ao presenciar, saber, tomar conhecimento de injustiças. Sei porém que o que se passa na minha alma é comparável a um furacão…

Um destes dias, quando soube do afastamento do meu querido amigo (e ídolo) Fernando Bicudo da OSB tive práticamente o mesmo quadro de reações físicas…
Desconforto, falta de ar, nervosismo…
Grande injustiça com um grande Homem e Artista que considero um dos poucos no Brasil, não só com a capacidade intelectual, mas também com o imenso talento necessário, condição Sine Qua Non, para um cargo que tão brilhantemente transformou num “trabalho de vida”, trabalho de constantes mudanças, desafios, movimento.
Trabalho que trouxe maravilhosos frutos à nossa Cidade, à nossa cena cultural.
Dedicação pura e pura dedicação à Arte.
Grande, brilhante Fernando, minha admiração e meu carinho.
Sempre, querido amigo.


São estas e outras injustiças que nos deixam boquiabertos, pois como as pessoas normais que somos, não temos a capacidade de compreender atitudes de certos seres que «se dizem» humanos… Da mesma forma como não podemos compreender a inveja de um Salieri ou tantas crueldades deliberadas que são feitas neste mundo. Talvez por isso o «horror» que tenho à esta vulnerabilidade… pois sei que eu, e muitos outros que amo e prezo, poderíamos também ser fáceis vítimas… como já fomos...

Injustiças sociais. Injustiças cívicas. Injustiças feitas inconscientemente mas causadoras de muito dano.. tão daninhas quanto as injustiças deliberadas…


Abaixo uma cena de "La Bayadère":
a cena que tanto me impressiona – ah, se eu não soubesse que o final é feliz e os dois se encontram de novo em Nirvana…

Nikiya recebe na festa de noivado de Solor, o homem que ama, com Gamzatti, uma cesta de flores. Pensando que esta é um presente de Solor ela coloca-se mais “animada”, mais “viva” (ela acabara de dançar muito sombriamente, muito triste… ) para então ser mordida por uma serpente que se encontrava entre as flores (colocada ali propositalmente por Gamzatti e seu pai, o Rajah com a intenção de matá-la). Até o último tempo pensa-se numa possível salvação, pois o sacerdote lhe oferece um antídoto, que ela finalmente nega: ao ver Solor com Gamzatti, ela prefere morrer e não mais ser testemunha do que viu…
Que momento repleto de injustiça (e deliberada crueldade). A bailarina do templo, que só cometeu o erro de estar apaixoanada, a “bayadère” se vai… Uma boa alma se vai – momento na Arte comparável à (também injusta) morte de Liu em “Turandot”.


Suspendamos as cortinas da Ópera de Paris para Isabelle Guerin, bailarina expressiva, atriz, de grande personalidade, como Nikiya, Élizabeth Platel como Gamzatti e Laurent Hilaire como Solor nesta apresentacao de 1994! Bravo!



Para quem quizer saber um pouco mais sobre “La Bayadère” recomendo, de coração, uma postagem que fiz em 24 de fevereiro de 2011… « La Bayadère revisitada : O Reino das Sombras ».

Ou voces usam este Link


ou digitam na janelinha do lado direito chamada «Pesquisar este Blog» simplesmente a palavra «Bayadère». A postagem aparecerá na parte superior da página principal do Blog.

domingo, 25 de novembro de 2012

Tertúlias: Quo Vadis?

Esta mensagem foi enviada hoje para a maioria dos "Tertuliadores" - uma pergunta que me faço no momento...


Queridos amigos,

nos últimos meses o número de visitas às "Tertúlias" aumentou loucamente... Noto nas estatísticas internas que a cada dia o número de visitantes aumenta.
Isto me deixa muito feliz.

Infelizmente há uma mudança drástica no que diz respeito aos comentários... a cada dia o número deles diminui.

Começo a me perguntar se o conceito que foi usado quando comecei este Blog ainda é "atual": "Tertuliar", discutir assuntos de arte, discordar, concordar...
Sinto que o nosso mundo anda cada vez mais rápido e vejo que as pessoas a cada dia tem menos tempo...

Por este motivo não estou aqui querendo "cobrar" nada, muito pelo contrário. Falo sinceramente.

Eu sinto que se torna também para mim mais difícil o fato de poder sentar-me com paz e concentração para poder fornecer alguns momentos de observação crítica para voces todos... Por isto estou me fazendo a seguinte pergunta: vale a pena continuar com este projeto?

Ele, ao longo do tempo transformou-se práticamente num "monólogo", super distante de sua idéia, do seu conceito inicial:
promover uma reunião entre amigos e apreciadores de arte - seja ela cinema, ballet, ópera, sapateado ou estórias em quadrinhos - para manter em movimento nosso lado crítico, apreciador, "tertuliador"...
Tudo isto neste "salão virtual".

Quiz fazer hoje este comunicado pois começo a ver no horizonte um final para este projeto.
Quero porém frisar que durante muito tempo, muitos anos na realidade, as Tertúlias foram para mim uma grande, maravilhosa diversao... causa de muita felicidade.

Algumas idéias para as próximas semanas ainda estão guardadas. Vamos ver o que ainda faço.
Espero que voces compreendam o porque desta minha reação.
Antes de tudo não desejo que ninguém sinta-se incomodado ou obrigado por mim a "ter que escrever", não é isso.
É simplesmente o fato desta avaliação do momento... deste ver que me afastei completamente de uma idéia inicial e da qual colhi muitos frutos.
Frutos que me trouxeram muitia felicidade nestes últimos anos.

But we have to move on...

Um lindo domingo deseja

Ricardo Leitner

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Show Boat & Cabaret: Anna Kendrick & The Kit Kat Girls divinamente decadentes...

Quando Jerome Kern escreveu o eterno „Show Boat“, para mim a maior obra do teatro Musical Americano (que estreiou em 1927 na Broadway), jamais pensou que um dia sua divertida canção “Life upon the wicked stage” (“A vida sobre o palco perverso”) seria um dia apresentada assim…


Originalmente o personagem, Ellie, cantava este leve número para suas fãs, contando as os perigos e as “árduas” tarefas e obrigações de uma jovem na vida artística”… Nas duas primeiras versões cinematográficas de “Showboat” (1929 e 1936) ele foi retirado, na versão de 1951 (MGM) colocado numa outra parte da estória como número “estelar” para Marge & Gower Champion.


Alguns anos antes a MGM filmou “Till the clouds roll by” (1946), uma “bem criativa” biografia de Kern, que começava com o “Opening” de Show-Boat” na Broadway: nesta cena a maravilhosa Virginia O’Brien – que jamais sorriu nas telas – cantou “Wicked Stage”…


Bem... um pouco longe do “feeling” original mas pelo menos a canção não foi esquecida…


Realmente recomendo ver este video com O'Brien para uma "comparação" no final da postagem.



Em 1998, houve um grande acontecimento na Broadway: The leading Ladies, show moderado por Julie Andrews, que apresentava várias das Leading Ladies que naquele ano se apresentavam na Broadway em diversos Shows.



Nesta versão de 1998 Anna Kendrick (na época com uns 12 ou 13 anos) canta o número numa versão “compartida” com as Kit Kat Girls (para quem não se lembra as Kit Kat Girls são as dançarinas de “Cabaret” que depois de dançar exercem uma outra profissão no "Kit Kat Club"), que na produção daquele ano na Broadway estavam mais decadentes do que nunca: sujas, com marcas roxas nos corpos; umas indicando pancadas, outras indicando práticas sexuais mais brutais, roupas rasgadas, arranhões, cabelos despenteados e sujos, axilas não depiladas… Deliciosos horrores. Ótimas bailarinas e atrizes!


No meio delas esta “menininha”, esta criaturinha meiga e pueril, que tem como linhas de entrada:”Mama thinks I’m living in a convent” (A primeira linha da canção de Sally Bowles (“Don’t tell Mama”) em “Cabaret”, que no filme seria substituída por “Bye Bye, mein lieber Herr”, motivo há pouco tempo de uma outra “Tertúlia”.

O resto do número, o único que reúne dois números de diferentes obras, deve ser assistido. Só assim é possível apreciá-lo:
idéia genial e endiabrada.
Inspirada.



P.S. os acordes iniciais e (práticamente) finais (normalmente usados enquanto as bailarinas andam ou movem suas cadeiras… assim como foram usados para Liza no filme, em “Bye Bye, mein lieber Herr”) são extremamente associados aos compositores de “Cabaret”: Kander & Ebb… Um dia destes revendo “Lola Montez” (de Max Ophüls) filme de 1955 (ou seja bem anterior à obra teatral “Cabaret” de 1966) fui confrontado com os mesmos acordes, enquanto Lola anda “pelo circo de sua vida” – mas esta “inspiração” para a dupla Kander & Ebb já uma outra estória…

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Music Hall: Burlington Bertie from Bow...


Um dos meus números prediletos do “Music Hall” ingles, "Burlington Bertie from Bow" (1915) é uma paródia sobre uma outra canção, também de “Music Hall”, de 1900: “Burlington Bertie” (número sobre um jovem aristocrata que levava uma vida de prazeres no West End de Londers).


“Burlington Bertie from Bow”
foi apresentada pela primeira vez em 1915 por uma cantora chamada Ella Shields, vestida em roupas masculinas! Ao contrário da canção original este Bertie, um vagabundo, morava no “Bow”, parte pobre do East End de Londres, o que contradiz totalmente todas suas ambições de requinte!


Esta canção tornou-se um clássico: foi cantado por Betty Grable no filme “Mother wore tights” (1947),


por Bertie Muppet no “Muppet Show”




e notávelmente na Royal Variety Performance de 1981 por Anita Harris. Ainda acho engraçado e peculiar como tudo parecia fazer sentido naquela noite...

I'm Burlington Bertie, I rise at ten thirty
and Buckingham Palace I view.
I stand in the yard while they're changing the guard
and the queen shouts across "Toodle loo"!
The Prince of Wales' brother along with some other
slaps me on the back and says "Come and see Mother"

A rainha… o Príncipe de Gales… seu irmão…
(existe o "rumor" que na linha 'The Prince of Wales brother along with some other' o "some other" se refere a Jack the Ripper. Mas isto é uma "lenda" do teatro)

Anita porém “trouxe a casa abaixo” quando cantou a linha “I’ve just had a Banana with Lady Diana”… Apesar de originalmente a “Diana” mencionada ter sido a Socialite Lady Diana Cooper (que morreu no “Titanic”), Príncipe Charles tinha-se casado naquele ano com Lady Diana Spencer que esta estava presente no público…

Minha versão predileta ainda é a de Julie Andrews no fracassado “Star!” de Robert Wise (1968) - como não poderia ser?


Julie, que já havia cantado “Bertie” num esquecido disco de 1962 chamado “Heartrending Ballads & Raucous Ditties”, parece esbaldar-se neste número…
Detalhe: Maravilhoso trabalho de corpo que Michael Kidd fez com ela neste filme... ela está precisa, soltinha...


It is simply SO English e ela está brilhante! Julie, Star!




Aqui um video que, sei, acharão interessantíssimo!



Observação: para quem conhece o filme “Easter Parade” é interessante saber que “Burlington Bertie from Bow” foi predecessora à canção “A couple of Swells” de Irving Berlin (interpretada no filme maravilhosamente por Judy Garland e Fred Astaire) que também trata de dois vagabundos com ambições de requinte…


Coincidencia? Ou foi Berlin inspirado por “Bow”? We’ll never know…

domingo, 11 de novembro de 2012

Evelyn Hart: outro perfeito, emocionante Cisne...


Palavras são neste caso, nesta postagem, realmente supérfluas….
Apanhem porém uma caixinha de “Kleenex” antes de ver o vídeo abaixo… Vão necessitar deles!

Evelyn Hart, brilhante bailarina canadense, grande ídolo meu...


Jamais uma bailarina que queria ser “só bonita” e até na “Morte do Cisne” - grande instrumento para realçar a beleza e graça de qualquer bailarina – ela não tem medo de nos mostrar nos seus movimentos momentos tristes de real feiúra: a morte…

E, ao mesmo tempo transforma-se, para mim, numa das mais lindas bailarinas que vi em minha vida…
Para talentos assim não existem palavras, não há motivos para que existam…
Meu aplauso, Evelyn!

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

...e o tempo passou "na janela": The Boy next Door


Hollywood dos anos 40, 50 e até 60 nos presenteou com muitas cenas «de janela».
Nelas as atrizes e heroínas deixavam o interior de seus lares para olhar para o mundo lá fora. Mas sempre protegidas ao mesmo tempo pelo teto e segurança da sua casa, de seu lar.
Com um pé dentro e o outro fora…

A “janela” transformou-se assim num símbolo, na “fronteira” entre o lar, a vida familiar e a descoberta do amor…

Penso em tantas: Audrey Hepburn cantando “Moon River” em “Breakfast at Tiffany’s”, em Monroe flertando de sua janela em “The seven year’s Itch”, de June Allyson e Janet Leigh curiosas com o vizinho (Peter Lawford) em “Little Women”, em Bette Davis olhando a neve no trágico "All this and heaven too" e mais notávelmente na mudança que a “janela” exerce sobre o personagem de Grace Kelly em “Rear window”.
Sem a “janela” ela nao teria transformado-se numa mulher inteira…

Mas ainda é o personagem de Judy Garland, Esther, de “Meet me in St. Louis” (MGM, 1944) que tem todo o fascínio do, diga-se de passagem, «filme família» e do simbolismo da janela nos anos 40! Esther definitivamente me "cativou".


Jeanne Crain (acima) teve em “State Fair” (cinco anos depois de “Louis”) uma cena que foi óbviamente baseada na linguagem visual de Vincente Minnelli (diretor de «Louis»), no “sonho durante o dia”, no simbolismo da janela e de ver “o tempo passar nela” (no qual canta a linda “It might as well be Spring”), expressão aliás eternizada por Chico Buarque de Hollanda em sua romantica (e eterna) “Carolina”.
Mas Crain está "só" sonhando.
Está ausente do que se passa ao seu redor...


Definitivamente é a curiosidade de Garland sobre o “Boy next door” que me fascina…
Apesar de estar “day dreaming” ela está atenta, alerta, concentrada, interessada, se apaixonando…

Curiosa sobre o mundo lá fora…

Querendo ser parte dele...


Do início ao fim esta cena nos conquista: o olhar de Garland, seu indescritível magnetismo e charme, sua roupinha com a qual chegou em casa depis de jogar tenis (óbviamente sem estar suada e desarrumada!), a voz metálica, a linda música e o "Close-up" final.
Este sim, mais do que magnífico...

Viva a dupla “Minnelli/Garland” (no seu primeiro trabalho juntos) por nos dar momento tão fresco, romantico e poético!

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Cristina Martinelli: bailarina BRASILEIRA

Em qualquer lugar da nossa mente sempre existirão momentos, pessoas, acontecimentos que nos marcaram profundamente, eternamente, até o final de nossas vidas e quem sabe talvez até além delas!
Um filme que nos emocionou, um poema que disse tudo que estávamos pensando naquele momento, uma música que nos levou em suas asas para bosques encantados ou Noruegas de intermináveis fjordes, um momento de pura dança...



Minha vida, Graças a Deus, é até hoje povoada e pontuada por estes preciosos momentos. Sou extremamaente grato por sua existencia… como se fossem uma espécie de “ponte” de um acontecimento para o outro… Ponte esta que me leva aos momentos nos quais me sinto realmente e totalmente vivo.

Muitas vezes a “ponte” se torna muito longa e passar por ela demora muito… como se estivesse cruzando a ponte Rio-Niterói a pé durante um perídodo de 42 graus. Estas são as épocas as quais literalmente me refiro como “os desertos da minha vida”.

Mas, de repente, quando menos espero, e como que por um passe de mágica, a ponte torna-se curta, as distancias diminuem e eu presencio de olhos arregalados e alma aberta e receptiva “aquela” apresentação de Ballet, “aquela” interpretação de um certo pianista, “aquele” desempenho de um tal ator, “aqueles traços e cores” de um desenho reencontrado, “aquela” simplicidade de um esquecido verso, “aqueles” acordes que tocam até o fundo do meu coração e o rasgam... E como estes momentos fazem bem.

Deles vivo.

Sim.

Não é “por mero acaso” que me lembro e descrevo aqui um “momento” que se alongou para mim por muitos anos, enquanto eu ainda morava no Rio de Janeiro.

Não sei mais em qual Ballet ou Gala ou dia assisti a fantástica Cristina Martinelli, sua arte e sua aura pela primeira vez… Sei porém muito bem que um “momento” transformou-se numa grande admiração, num fascínio artístico e intelectual, numa onda quinestésica que, anos depois, teve sua mutação numa profunda amizade que até hoje nos une.

Cristina Martinelli era “A” musa de um vasto publico que não deixava de seguí-la, apreciá-la, prestigiá-la e até cultuá-la. Sim, pensando que o “Theatro” era o nosso “templo das Artes” não existe melhor palavra para descrever a força desta sacerdotisa da Arte, da Dança. Figura pública cultuadíssima ela era ao mesmo tempo, em termos de dança, a Sacerdotisa e o Ídolo. Incrível esta dualidade. Só mesmo muito talento pode fazer isto possível.


(acima Cristina Martinelli no camarim, esperando sua entrada como Odille – o cisne negro – e seu precioso tutu – obra prima da costura e do figurino brasileiro dos anos 70)

Não gosto de usar palavras como “fãs” quando me refiro à Cristina. Os “seus” eram mais do que esta palavra pode sugestionar. Os "seus" seriam mais apropriadamente descritos como “seguidores” ou como se diria em ingles: a following!
E que “huge following”.

Coisas assim já não existem… talvez no Metropolitan, no Covent Garden, na Ópera de Paris… mas este “nível” de seguidores já não é visto há muito no nosso Theatro Municipal do Rio de Janeiro.

Estamos falando de outras épocas, nas quais ainda não existiam as “Angelas Marias” da dança. Nota: não estou ofendendo Angela Maria, refiro-me apenas à épocas nas quais ainda se entendia de técnica e dança, ballet clássico aqui. O Brasil não tinha ainda passado a este nível popular que elege suas “rainhas do ballet” por outros motivos que são completamente alheios à verdadeira apreciação da dança clássica e do entendimento desta (Tenho porém que adicionar que Cecília Kerche NÃO pertence à esta lista. Maravilhosa bailarina!).

Nas épocas em que o poder da “Media” era bem mais contido, tenho a impressão de ter presenciado mentalidades mais sábias, intelectos mais despertos e muito mais aguçados, críticos com mais conhecimento, mais cultura…

Ainda não existiam no Brasil (e na Europa, como a linda Rosane Maia - a Branca - que nao mais está entre nós uma vez me disse) “marquizes com nomes iluminados em letras de neon”.
Existia simplesmente só “propaganda” bonita e culta: amigos se recomendavam certas peças, certos espetáculos, certos artistas… críticas escritas por pessoas “sem filiações partidárias” (ou até outros interesses mais mesquinhos) eram objeto de análise, discussões, questionamentos e, até, tertúlias…


(acima Cristina Martinelli como Odette – o cisne branco – e seu tutu, outra preciosidade da costura e do figurino brasileiro dos anos 70)

Mas os tempos passaram e o poder da “Media” tornou-se incontrolável… Como o Monstro de Frankenstein ou como a florista, Eliza Dollitle, de “My fair Lady”: O criador perde o controle sobre o próprio monstro, sobre sua própria criação… Isto, adicionado à (já conhecida) curta memória no nosso País (Sim, mais uma afirmação sobre a existencia de uma certa amnésia cultural reinante no Brasil) é muito triste.

Não posso de deixar de mencionar uma frase de Ivan Lins que bem retrata esta situação:
“O Brasil é um país que esquece a sua história a cada 15 anos”.
Precisamente ele fez uma síntese, em poucas palavras, de um dos mais graves problemas culturais do Brasil.


Por todos estes motivos me alegrei muito com uma “luz que vi no horizonte”. Há pouco tempo atrás, exatamente a partir do dia 15 de outubro, foi organizada uma linda exposição “Jóias do Ballet Brasileiro” em Joinville em honra de algumas Bailarinas brasileiras. Organizada de forma bonita e profissional por Darling Quadros a exposição convidou para sua abertura não só Cristina Martinelli mas também a maravilhosa Nora Esteves.
As duas "embaixadoras do Ballet" representaram o resto das bailarinas homenageadas.

(Cristina Martinelli e Nora Esteves)

Um Bonito encontro de gerações da “dança” e como um rapaz chamado Marcio Nascimento muito bem colocou no Facebook: “linda Musa da dança classica! A brasileirissima Cristina Martinelli! Crianças; estudem história da dança e conheçam nossos monstros sagrados ...”. Bravo, Marcio! Muito bem expressado!

E quantas estórias para estas gerações mais joven descobrirem… como quando o Bailarino da Ópera de Paris, o alemão Michaël Denard lhe disse: “Quero ver voce dançando o Lago dos Cisnes” (e com isso ele se referia aos papéis de Odette/Odille que foram imortalizados por ela e não aos maravilhosos solos que a jovem Martinelli estava dançando naquela estação). O desejo de Denard tornou-se realidade… para o nossa felicidade e grande sorte!


Na exposição os “Tutus” (todos em fotos acima) de Cristina Martinelli tiveram um destaque especial, foram os únicos a serem colocados com proteção, atrás de vidros, por serem jóias preciosas dos anos 70. Os dois tem um significado incrível para todos que realmente entendem e amam o Ballet no Brasil… Lembranças de épocas de muita classe… Também preciosos são os adereços por ela usados e gentilmente emprestados para a exposição. Como, por exemplo, as sapatilhas que usou como criança, o adereço de cabeça do "Cisne branco" e os brincos que usou como “Marie Taglioni” em “Pas de Quatre” (na foto abaixo à direita) mas esta já é uma nova estória, uma nova “Tertúlia”.



“Trocando em miúdos”: Quem se lembra de nomes (só para citar alguns) como Bertha Rosanova, Aldo Lotufo, Maria Angélica, David Dupré, Sandra Dieken, Eliana Caminada, Rosangela Calheiros, Heliana Pantoja, Rogerio Schubach? De "Mestres" como Eric Waldo e Eugenia Feodorova? E de uma gerações mais novas e de nomes como Rodolfo Rau? E dos nossos maravilhosos maestros, cenógrafos, coreógrafos, figurinistas? Quem se lembra das belas produções teatrais que tivemos – desde “Combate” e “Giselle” (também dançados por Cristina Martinelli) à produção maravilhosa de “Vestido de Noiva” no teatro do BNH na qual atrizes, hoje em dia práticamente esquecidas como Camila Amado, Norma Benguell e Maria Cláudia – grande mulher – brilharam como diamantes? (Detalhe: “Vestido de Noiva” foi encenado pela primeira vez no Theatro Municipal por Ziembinsky… Mas quem se lembra de Ziembinsky?). E em termos de música popular : Há quanto tempo, afinal, vocês não vêm Francis Hime, João Bosco, Claudete Soares, Carlos Lyra, Roberto Menescal, Doris Monteiro, Leny Andrade e tantos outros veteranos em programas da TV?
Cristina Martinelli, fique orgulhosa: voce está em grande companhia!
Mesmo assim: pobre,triste Brasil... Brasil cheio de amnésia...

Mas ainda existem homenagens "Hollywoodianas" com posters dos tamanhos dos Outdoors da nossa infancia (Lembram do "Metro Passeio"?) Por que? Porque o povo ainda necessita ver seus verdadeiros astros e estrelas!
Sim, precisamos das Martinellis, dos Cisnes da vida!


Temos muito que dizer, conversar, tertuliar sobre esta grande artista, sobre esta maravilhosa intérprete e grande personalidade que – infelizmente - não ocupa o espaço que merecidamente deveria ser seu dentro do cenário cultural brasileiro…

Como Ivan Lins disse: “O Brasil é um país que esquece a sua história a cada 15 anos”.
Vamos tentar mudar isso?

Pelo que li no facebook Cecilia Kerche, grande bailarina, foi a única das bailarinas homenageadas, que deu seus parabéns à Cristina Martinelli. Meus parabéns para voce, Cecília! Não só uma grande bailarina mas também uma bonita, forte personalidade!

Deixo, com vossa permissão, esta “Tertúlia” de hoje em aberto… e só faço uma pergunta: Não seria um enriquecimento para o nosso povo se pessoas como Cristina Martinelli pudessem passar seus ricos conhecimentos para novas gerações? Como faz a Ópera de Paris, o Covent Garden, o ABT, o New York City Ballet? De geração em geração…

Tertúlia aberta para uma discussão…

Willkommen....