quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Thaïs: Livro, Ópera e... Thaïs-Pas de Deux... Ashton...

“Thaïs-Pas de Deux” é um trabalho maravilhosamente rico, denso… também em sua atmosfera exótica… Pensando nos trabalhos em que foi inspirado, gostaria de tentar aqui uma análise mais próxima, já que, apesar de um pouco esquecido e talvez até um pouco “ empoeirado”, é uma maravilha em termos coreográficos, históricos e mais do que digno de uma curta pesquisa.


A Ópera “Thaïs” (1894) de Massenet foi baseada no livro homonimo de Anatole France. Apesar de estar em terceiro lugar como obra mais encenada de Massenet (depois de “Manon” e «Werther») é para muitos desconhecida. Em sua estréia mundial, na Ópera Garnier, chamou mais a atenção do público e crítica pelo simples fato de sua intérprete principal, o soprano californiano Sybil Sanderson, estar extremamente “levemente” vestido, principalmente ao redor dos seios – o que chocou as platéias da época… Só em 1903, no Scala, foi pela primeira vez realmente aceita e de certa forma admirada pela sua genial musicalidade. Sua estréia no Novo Mundo teve lugar em 1907 em N.Y. com o soprano Mary Garden.

“Thaïs” não é realmente parte do repertório “standard” da maioria das casas de Ópera mundo afora. Não é «naturamente conhecida» e "popular" como uma “La Bohéme”, uma “Butterfly”, uma “La Traviata”. Talvez pela sua dificuldade técina (poucas cantoras “atuais” atreveram-se a cantar a parte de Thaïs… Leontyne Price -querida Leontyne!-sucedeu-se maravilhosamente e recentemente em 2008


a maravilhosamente talentosa (e linda) Renée Flemming - foto acima- recebeu belíssimas críticas) mas também talvez pelo seu tema e colocação histórica no tempo, delatando a «suposta» verdade, a «forma oportunista da afirmação» do Cristianismo (como interpretado na época e, talvez, até hoje em muitos países do terceiro mundo), não da religião em si... Um difícil papel… essa „dualidade” entre o passado e o presente, entre o ser profano (e até entre o "crer") e ser (supostamente) religioso…

O enredo de “Thaïs” tem seu lugar no Egito, no quarto século depois de Cristo, durante a ocupação bizantina. Em Alexandria um monge chamado Athanaël tenta, a qualquer preço, converter a linda cortesã (e profanamente devota de Venus) Thaïs ao Cristianismo. Isso só para descobrir que sua obsessão por ela está baseada no simples e primitivo desejo carnal. O “clímax” da Ópera está para mim na cena em que Athanaël reconhece para si mesmo a razão de sua louca obsessão enquanto, ao mesmo tempo, a pureza angelical de coração desta ex-cortesã nos é revelada…

“Thaïs”
é uma obra muitas vezes descrita como contendo um certo “eroticismo religioso”. Acho que o “ápice” desta afirmaão está no Entr’acte para Orquestra e solo de violino, o famoso “Méditation” (entre as cenas do segundo ato). Logo falaremos mais sobre ele – pois ele é a real razão deste escrito…

(acima: Viviana Durante e Stuart Cassidy)

Momentos, como no início do segundo ato, nos quais Thaïs expressa uma profunda disatisfação com sua vida, inútil e vazia, e com seu futuro (que acabará qundo perder sua beleza), são de uma eloquencia enlouquecedora e fascinante. Seguem momentos inolvidáveis como quando, por exemplo, Thaïs decide acompanhar o sacerdorte para o deserto e ele lhe pede que destrua todos seus bens queimando seu palácio, como para liberar-se completamente do seu passado, dos seus “pecados”. Ela concorda mas lhe pede um único favor: poder levar uma estátua de “Eros”, Deus do Amor, explicando-lhe que “pecou mais pelo amor do que por causa dele » (uma sutíl diferença, n’est-ce pas?). Ele, radicalmente, não aceita seu pedido e os dois mal tem o tempo necessário para escapar já que estão sendo apedrejados pelo povo “pagão” (que nao quer que ele leve-a ao deserto).
Eles escapam.

Exaustos chegam a um oásis. Os pés de Thaïs sangram, ela está quase morrendo (lembram de como «Manon Lescaut» morre nos braços de Des-Grieux nos desertos de New Orleans ?). Mesmo assim eles se referem a momentos idílicos e platonicos de companheirismo… E assim chegam ao Monastério onde Thaïs será enclausurada para o resto de sua vida…

Um momento, que quase esqueci, e que é de extrema importancia para o entendimento desta obra, é também inesquecível: No primeiro ato Athanaël fala a Thaïs de seu amor. Espiritual. Para a eternidade. Ela discorda e fala do lado carnal de seus desejos… Depois do “Entr’acte” (Méditation) ELA muda de idéia… e para quem quizer saber : o final do terceiro ato nos revela um Athanaël chegando à cama-de-morte de Thaïs. Mudado, arrependido. Ele lhe conta que tudo que lhe ensinou (lembram da viagem pelo deserto?) foi uma mentira. Que na verdade é a vida entre dois seres humanos, o aor carnal, o que conta…

Ela só lhe descreve o que está vendo naquele momento: como os céus estão abrindo suas portas para recebe-la e como os anjos estão voando em sua direção para escortá-la ao paraíso…


para então morrer…

«Thaïs-Pas de Deux» é, para mim, um resumée de toda uma mega de emoções que tem lugar nos dois primeiros atos da Ópera de Massenet e nos primeiros capítulos do livro de De France.

(acima: Nino Gogua e Lasha Kozahshvili)

Sir Frederick Ashton, talvez o maior coreógrafo do século XX, usou brilhantemente “Méditation” ( o já mencionado « Entr’acte ») para o seu «Thaïs-Pas de Deux». Muitos falam que ele reflete de certa forma a imersão de Ashton no “entertaimment” popular de seus jovens anos… Nascido em 1904, Ashton cresceu numa época em que o Ballet também fazia parte das Pantomimas (típicamente inglesas… como p.e na época do Natal “Cinderella”) e programas de Music-Hall. Principalmente os últimos atraíam platéia de diferentes camadas sociais e poder monetário – e por esse motivo tinham que ter temas “da atualidade” (de então) para os espetáculos. Incrívelmente, tanto na infancia/juventude de Ashton até a minha própria infancia/juventude (na década de 60) todos éramos levados por “mundos de sonhos” e estórias do Oriente Médio. Pensem p.e. em Ali Baba… ou na quantidade de véus que caíram ao chão, em algum harém, para revelar lindas e misteriosas mulheres que lá estavam emprisionadas… Idéia, imagens, protótipos do Oriente (médio) povoavam nossas imaginações… e os véus, definitivamente, exerciam um grande papel… principalmente misterioso e sensual…


«Thaïs-Pas de Deux» teve sua premiére mundial em Londres, em março de 1971, com (os lindos) Antoinette Sibley e Anthony Dowell. Inevitávelmente esse Pas de Deux reflete a época e o lugar em que foi criado (por isso a «sugestão» sobre a “imersão de Ashton no Entertaimment popular dos seus jovens anos») por ter eternizado o tempo em que Londres e uma grande parte das capitais européias estavam presenciando uma espécie de «Revival» da) cultura oriental (média), da qual «Thaïs» - seja livro, Ópera ou Pas de Deux – é um «Pastiche» (Detalhe: o Pas de Deux sublinhou e perpetuou o status de «Super Stars» de Sibley e Dowell como «Casal de Sonho» do Royal Ballet das décadas de 60 e 70… já que o Ballet foi concebido por Ashton para eles - foto acima).

Bem… 2011… na nossa atualidade – e não sei se por motivos só políticos, ou éticos, ou influenciados pelo oportunismo (nao sei mesmo e não quero opinar, já que é um tema muito sensível e que não tem realmente lugar nas «Tertúlias») o papel da cultutal oriental (média) está sendo, ou já foi, completamente esquecido. Pensem nos «véus» das estorinhas que lemos como crianças… eram misteriosos e eróticos. Hoje simbolizam, pelo menos nas nossas mentes “ocidentais” opressão sobre o sexo feminino, Fanatismo religioso, Radicalismo… Em França estão proibidos… como nos distanciamos dos valores mais «naïve» e descomplicados de nossa vida de « jovens». Como a amiga Eliana Caminada escreveu comentando minha postagem anterior : «é tão bom relembrar que já fomos ingênuos”

(acima: Lucia Lacarra e Marlon Dino)

Mas esta postagem está transformando.se numa longa estória e esta não é minha intenção… Pensemos só em como Ashton conseguiu resumir uma tendencia da “Swinging London” com música dos Beatles, leituras de Khalil Gibram, do início dos anos 70, com sua curiosidade sobre e cultura do Oriente Médio, num momento de uma beleza patética como aqui em «Thaïs-Pas de Deux».

Fato é que «Thaïs-Pas de Deux», apesar de Thaïs ter sinalizado sua vontade de «cooperar» ao retirar o véu, acaba no momento em que os dois se beijam, como se ela – livre de desejo – não «respondesse» a atitudes tão «humanas, mortais»…

Divirtam-se com Sibley e Dowell (com o "bonus" de testemunhar o magnífico Ashton os ensaiando)



e (numa versão mais atual, na qual me falta infelizmente muito da "mágica" de Sibley e Dowell) Leanne Benjamin e Thiago Soares. Soares não entendeu aqui o que está fazendo. Acho que Roland Petit também coreografou "Médiation" mas não estou muito certo... Senão me engano assisti Dominique Khalfouni uma vez bailando-o... Eliana, voce sabe... conte-nos!



e a divina Anne-Sophie Mutter!

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