Sempre adorei os livros de Somerset Maughan… Tantas estórias maravilhosas ele nos contou. Quantos arquétipos nos fez reviver... Reencontro na minha estante o primeiro livro dele que li. “Histórias dos Mares do Sul”. Abrindo a primeira página encontro minha jovem assinatura datada de 1977. Somerset, amigo já de “quase uma vida”.
Lembro-me de minha primeira visita a Singapura e do Hotel Raffle’s no início dos anos 80. Lá, no bar principal, debaixo dos ventiladores de teto, bebi um “Singapore Sling” e disse um “Cheers” em sua homenagem, já que este Hotel foi por muito tempo seu “lar” na Ásia.
Talvez sejam todos estes acontecimentos motivos para eu ter apreciado tanto o (para mim novo) filme de um diretor que não conhecia. A nova versão de “The painted veil” do jovem americano (ele nasceu em 1960) John Curran.
Somerset e suas eternas “heroínas”. Muitas delas traidoras, pecadoras, adúlteras.
Entre elas algumas que conseguiram seu «final feliz», ou seja, as que foram perdoadas/ poupadas por Mr. Vaughan. Por exemplo Miss Sadie Thompson de “Rain”, a vulgar prostituta dos mares-do-sul que , sendo práticamente reformada por um missionário fanático, acaba "reformando-o". (Gloria Swanson deu vida à Sadie.
Alguns anos poucos depois Joan Crawford também)
Ou Julia Lambert de “Theatre” (Vide minha tertúlia de dezembro de 2008), um personagem amoral mas tão deliciosamente «humanamente errado», já que inteligente- e incansávelmente vingativo, para ser ignorado… Uma adúltera que nos conquista como leitores – e todos nós torcemos por ela no final da estória que nos é relatada. O que aconteceu depois do final que lemos é parte de nossa imaginação. E como Mr. Maughan nos dá “pano para manga”.
Outras não tiveram tal sorte – Existem aquelas que não só são punidas por muito tempo como também chegam a encontrar a morte…
Sua frustrada e infeliz Sophie de «The Razor’s Edge» (O Fio da Navalha), passa pelo inferno, vai e volta do purgatório não sei quantas vezes durante a vida. Drogada, alcóolatra, abandonada, aniquilada, decandente morre só. Assassinada por algum dos “seus homens”.
Anne Baxter deu uma boníssima interpretação à Sophie (aqui ao lado do Tyrone Power). Mais sobre «The Razor’s Edge», a estória de um homem procurando “outros caminhos”, uma outra vez!
Mildred, a maldita garçonete de «Of human Bondage» (Servidão humana) é tão baixa, tão horrívelmente suja e degradada que sua morte (de sífilis) não nos surpreende… Penso que Mildred seja talvez o personagem mais promíscuo, mais sórdido da literatura.
Tres vezes Mildred apareceu nas telas do cinema : primeiro via uma feroz Bette Davis que, com muita razão, viu neste personagem sua chance ao estrelato (apesar do fato de que todas as atrizes de Hollywood da época não aceitaram este papel). Mesmo assim acho-a caricata, exagerada. Lembro-me de ter suspirado depois de sua morte – pelo menos toda a gritaria num sotaque pseudo-cockney havia parado!
A segunda Mildred que assisti foi a magnífica Eleanor Parker. Atriz com A maiúsculo. Linda mulher que na época devia passar muito distante de qualquer espelho. Para mim a definitiva Mildred.
Sobre a terceira não vale muito a pena se escrever: uma terrível Kim Novak, completamente errada para o papel. Totally miscast!
Também Leslie Crosbie, a adúltera esposa de um dono de uma plantação em “The Letter” - a dramatização de 1927 de sua curta estória “The casuarina Tree”. Ela procura sua morte. Ela práticamente coloca-se nas mãos da mulher que amava verdadeiramente o homem que matou – seu amante. E agindo assim ela mesmo se “executa”. A única das “heroínas” de Somerset que não espera o destino e faz justiça consigo mesma. Uma adúltera que transforma-se - com ajuda - quase numa sacerdotisa. No filme mais uma vez uma feroz Bette Davis exercendo desesperadamente toda a gama de emoções de A a Z (Venetian Blind and all...), tão típica do seu trabalho dos anos na Warner e que lhe renderia muitas nominações ao “Oscar”.
Não sei exatamente o porque de Somerset Maughan ter-se ocupado tanto com o adultério. Algumo motivo deve ter tido.
Talvez, como um documentário sobre sua vida deve ser lançado no próximo ano, tenhamos brevemente uma explicação…
Uma de suas pecadoras sofre longamente, por um tempo que nos parece definitivamente eterno, num inferno que ela mesmo criou para si:
Na primeira versão de The painted Veil/ O Véu pintado, Kitty Fane, uma inglesa diga-se de passagem, tinha sido desempenhada estranhamente por uma Garbo desempenhando "Garbo" (e usando uma sucessão de estranhos turbantes "meio sulamericanos" e incrívelmente “chic”, limpa e sequinha para estar no interior da China durante uma epidemia de cólera no húmido verão!). Aqui o poster alemão – talvez a melhor coisa deste filme!
Esta “nova” versão (2006) de John Curran conta não só com uma excelente e sensível fotografia, eficazes cortes como também com um elenco que age perfeitamente “fiel” à esta esquecida obra. O “ícone” Diana Rigg como a Madre Superiora, Edward Norton como o traído marido e Naomi Watts como Kitty.
Mas não posso deixar de mencionar uma das coisas que povoou meus dias, minha noites, intensamennte depois de ter assistido este filme: o fabuloso uso das “Gnossienes” de Erik Satie e não das muito mais populares “Gymnopédies”.
Um efeito único. Sagaz. Perfeito. De uma “finesse” cenica tão inteligente e sugestiva que até agora, escrevendo sobre elas, acordes voltam vívida- e nítidamente à minha memória. Mais uma vez sensibilidade no Cinema. Num simples detalhe. Só este fato já é motivo suficiente para assistir este filme…
Ouçam…
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P.S. Não faz muito tempo estive na British Bookshop pois procurava alguns ítens. Qual não foi minha surpresa e tristeza ao descobrir que Somerset Maughan (que apesar de seu incrível sucesso NUNCA foi um “queridinho” dos críticos) não está mais “on print”. Sim. Nenhuma editora inglesa imprime mais seu trabalho. Mais um…
Um comentário:
Eleanor era muito linda mesmo!e que olhar belo e assutador de Gloria Swanson!!meu deus! mesmo em preto e branco os olhos são tão claros que assustam!parece que ela vai fulminar qualquer pessoa que olhe pra ela!!Marcos Punch.
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