domingo, 13 de maio de 2012

REMEMBERING: Merle Oberon ("Am I really Merle Oberon?")


Por ser uma das personalidades da “sétima Arte” com perfil mais indefinido e confuso da história do Cinema, tenho uma relação meio “oblíqua” com Merle Oberon.
A atriz, que se passava por “100% inglesa” escondeu toda sua vida sua verdadeiras raízes. Metade indianas.


Estelle Merle Thompson nasceu em 1911 em Bombay, India. Algumas fontes falam que sua mãe era uma “Eurasian”, Charlotte Selby, do (antigo) Ceilão (hoje Sri-Lanka) e seu pai um ingles.
Outras fontes falam de uma descendencia chinesa ( ?!?!).
Uma terceira versão conta de uma filha que Charlotte teve aos 14 anos de idade no Ceilão, Constance, sendo esta a verdadeira mãe biológica de Merle. A verdade é que durante toda sua vida Merle negou-se a encontrar Constance e seu filho (que seria então seu “meio-irmão”?).

Merle, que levou uma vida bastante “atribulada” pelos “Night-Clubs” de Calcutta - muitos contaram “muitas coisas” sobre ela – teve ainda na India um “caso” sério com um ator ingles (estamos falando de uma menina de 17 anos, que de qualquer forma, queria subir na vida). Este porém ao conhecer sua mãe – que tinha uma pele muito escura – deu-se conta que ela era uma “mestiça” e acabou o romance – prometeu-lhe porém uma introdução aos estúdios de Cinema ingleses.

Fato é que, em companhia de Charlotte, Merle conseguiu “zarpar” para a Inglaterra. Seus primeiros tempos foram difíceis.
«Dizem as más línguas» que ela fez de tudo… Muitos contaram de uma certa «Queenie» (seu apelido em homenagem à Queen Victoria) que era uma famosa "Taxi-Dancer" em Londres do início dos anos 30 (Taxi-Dancer eram aquelas moças – de reputação questionável - que eram «alugadas» em estabelecimentos para dançar com os fregueses… o que faziam depois não era da conta do estabelecimento...).
Uma outra fonte – esta de natureza pessoal minha pois veio de uma senhora que trabalhava na casa de minha tia em Londres – conta que Merle foi até camareira num hotel de segunda classe…

Mas nestes tempos nunca ouvira-se ter falado de uma atriz mestiça.
Seu tom de pele era claro.
Ela queria ser atriz.
Simples: seu «passado» de eurasiana foi completamente ”apagado” do seu Curriculum Vitae.
Isso como se ninguém visse no seu rosto um certo “exotismo”… Como eram ingenuos aqueles tempos…


Merle, decidida a vencer, venceu.
Entrou no Cinema, transformou-se no “Talk of the Town” por sua estréia e aparição de pouquíssimos minutos como Ana Bolena (perdendo sua adorável cabeça) em “The private Life of Henry the VIII” de Alexander Korda, foi nominada para um “Oscar” em 1935, recebeu o cobiçado papel de “Cathy” em “O morro dos ventos uivantes” (Wuthering Heights, William Wyler, 1939), casou-se com “Korda”, virou “Lady Korda” quando este tornou-se “Lord Korda” em 1942, ficou rica, tornou-se uma figura do “Jet-Set” internacional com seu “Headquarter” numa mansão de Acapulco… Seu último marido foi o holandes Robert Wolders, que parece ter tido uma “queda” por Senhoras de mais idade… Ele também foi o último companheiro de Audrey Hepburn ( e namorou com Leslie Caron há alguns anos).


Merle foi escalada por Korda em 1937 para o papel de Messalina em “I, Claudius” ao lado de Charles Laughton. Este filme nunca foi finalizado. Uma pena!
Merle, durante a época das filmagens, sofreu um sério acidente de carro que a deixou com cicatrizes no rosto. Só com a ajuda dos grandes maquiadores do Cinema ela pode continuar sua carreira. Nos anos 40 ela ingressou numa clínica para um tratamento de beleza… um envenamento e reação alérgica aos produtos à base de algum sulfato obscuro, deixaram-a desfigurada (Agatha Christie descreve um caso parecido através da personagem “Linette” de “Death on the Nile”). Ela ficou por muito tempo afastada das telas e nunca pode deixar de usar maquiagem… Mais uma daquelas loucuras feitas «em nome da vaidade» e ainda por cima, por um “barbeiro”. Oberon divorciou-se de Korda em 1945 – para se casar com o cinematógrafo Lucien Ballard – que inventou uma luz especial para ela e para os sets de Cinema. Esta luz, hoje conhecida como “Obie” (!!!), eliminava todas as cicatrizes de Merle (Oberon) nas grandes telas…


Estes são todos fatos reais da vida de Miss Oberon.
A «gota de fel» são os fatos não explicáveis, inventados (certamente) por ela, que ao longo dos anos foram-se misturando a fatos reais. Entremeando-se com sua memória, pregando “peças” nas suas recordações… e na da Imprensa.
Eu tenho a vaga impressão que a propria Merle passou a acreditar neles…

Por exemplo… ela sempre disse ter nascido na Tasmania. De fato nunca foram descobertos nem certidão de Nascimento, nem registros, nem históricos escolares dela lá…
Uma vez disse que tinha abandonado a Tasmania quando seu “distinguido” pai morreu num acidente (caçando… très chic) e foi para a Índia, onde foi criada por padrinhos “aristocráticos”.
Ela também “criou” uma estória dizendo ter frequentado uma escola de modelos em Hobart (Australia). Nada sobre ela foi jamais encontrado nesta instituição…
Durante muitos anos, e para nao «trair» sua “criativa” biografia (e origens indianas), ela deixou que sua mãe morasse com ela, passando-se porém como empregada da própria filha. Que ironico estar escrevendo isso hoje… no dia das Mães!


Quando a mãe morreu, ela encomendou um quadro: neste a imagem de Charlotte era a de uma fictícia mulher branca, uma “lady”. Elegante e clara – vestida de forma ocidental e não com os “saris” que sempre usou.

Hoje em dia muito criticada por seu comportamento “políticamente incorreto”, temos que admitir, ela deixou grandes, memoráveis momentos no Cinema.
Acima de todos seus papéis «Cathy» de “Wuthering Heights” é uma criação de muita sensibilidade


Interessante porém é o fato de Merle, a mulher que viveu numa crise de personalidade toda sua vida, a mulher que passou a acreditar num outro “histórico”, num outro passado, brilhar exatamente aqui numa inesquecível cena (minha preferida de todo o filme) na qual ela mesmo duvida do seu “SER”, colocando em questão toda sua personalidade:
O momento no qual constata que “o meio cigano” Heathcliff é mais “ela do que ela mesma” ("And yet... He's more Myself than I am...") e – a grande Flora Robson a esta ouvindo – a grande constatação, que a fascina e aterroriza ao mesmo tempo… A verdade que tem que ser expressada : com olhos abertos – como que vendo a verdade em sua frente… dos seus lábios “jorra“ simplesmente “I AM HEATHCLIFF”

Momento sublime de Cinema. Obrigado William Wyler e „Queenie“! Penso no que passou-se na cabeça desta “Eurasiana” fazendo o papel de uma inglesa que reconhece neste momento que sua personalidade é a do “cigano” Heathcliff…

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