sábado, 16 de maio de 2009

Duas biografias „on the rocks“: Lillian Roth & Helen Morgan


Ao decorrer dos anos 50 Hollywood produziu várias biografias mais “populares” em comparação a filmes de questionável “gabarito” dos anos 40, como a biografia de Chopin com Cornel Wilde ou a de Clara Schumann com Katherine Hepburn… Alguns exemplos: “The Glenn Miller Story” (Universal, 1953) com James Stewart no papel título e June Allyson, “Three Little words” (“Três palavrinhas”, MGM 1950) com Fred Astaire e Red Skelton interpretando Kalmar & Ruby acompanhados da adoráveis Vera-Ellen e Arlene Dahl e “The Eddy Dunchin Story” (1956) com Tyrone Power e Kim Novak.

Hollywood neste período parece ter tido também uma certa fascinação com “mulheres que cantavam” e que, por algum motivo, levavam alguma tragédia consigo: Jane Froman e seu trágico acidente de avião em Lisboa durante a guerra (“With a Song in my Heart, 1952”) foi interpretada por Susan Hayward, Grace Moore com sua trágica morte num acidente (também de avião) em 1947 (“So this is love”, 1953) com Kathryn Grayson, Ruth Etting e seu envolvimento com um gangster (“Love me or leave me”, MGM 1955) que deu a primeira chance séria à Doris Day e o magnífico Soprano Marjorie Lawrence (vide minha postagem de 03.03.2009 com uma cena deste filme) que teve que lutar contra os efeitos de uma fortíssima poliomielite (“Interrupted Melody”, 1955) com a não menos magnífica Eleanor Parker, que foi mais uma vez nominada para um Oscar por este trabalho.

Devemos mencionar aqui que a Hollywood da época tomava ainda mais liberdade com fatos históricos, ou até bíblicos, do que toma hoje em dia (Ou alguém já esqueceu que “Salomé”, com Rita Hayworth, tem um final feliz? Ela “acaba” feliz com João Batista ?!?!?!?).

Apesar destas liberdades (que supostamente eram feitas para melhorar o roteiro), duas das melhores “biografias” do período foram “I’ll cry tomorrow” (1955) e “The Helen Morgan Story” (1957). Ambos filmes, sobre mulheres com muito talento, podem ser descritos como “de certa forma bastante úmidos”. Não, não estou referindo-me a nenhum número musical com Esther Williams porém ao fato das estórias de Lillian Roth e Helen Morgan estarem intímamente ligadas a muito “booze”: gin, whisky, vodka etc.

Ambos filmes e suas principais intrérpretes demonstraram extrema coragem numa época em que em Hollywood a grande maioria das atrizes queriam só ser “bonitas” (ou sexy). Susan Hayward e, supreendentemente Ann Blyth, descem à sarjeta, à sordidez, ao final do poço... ao asqueroso declínio moral, psicológico e físico causado pelo abuso do álcool.

Lillian Roth começou no teatro (“Artists and Models”) e chegou às produções requintadas de Ziegfeld (“Midnight Frolics”). Em Hollywood fez vários filmes, entre eles “The Love Parade” (com Maurice Chevalier, 1930), “Honey” (1930), “Madame Satan” (1930), “Animal Crackers” (com os Marx Brothers, 1930) e até um filme “forte” sobre mulheres na prisão “Ladies They talk about” (Warner 1933, com Barbara Stanwyck). Seu repertório era simples com alguns “carros-chefes” (por exemplo “Sing you Sinners”).

Susan Hayward, sempre uma boa e competente atriz, deu uma vida sem muita personalidade à sua “Lillian Roth”. Baseado na Auto-biografia de Roth “I’ll cry tomorrow” o filme conta a ascenção de Lillian, levada por sua ambiciosa mãe, ao estrelato. Lillian parece nunca opinar sobre sua vida, seus direitos, suas vontades... Quando seu noivo morre, ela, descobre o álcool. Este transforma alguns de seus momentos em felicidade, faz com que ela durma melhor, traz-lhe segurança e “personalidade” quando canta (Corajosamente Susan Hayward usou sua própria voz no filme, ao contrário da biografia de Jane Froman na qual foi dublada pela própria Froman). Porém a situação vai-se tornado cada vez mais precária e ela vai contínuamente, gradativamente perdendo o controle sobre si mesma. Ela começa a pedir cadeiras para se apoiar no palco enquanto canta (como por exemplo numa magnífica cena na qual canta uma daquelas trágicas canções de mulher vítima, dependente, sofrida: “Joe” – ♫♪ It seems like happiness is a just a thing called Joe ♪ ♫ ), começa a beber às escondidas, a cair em restaurantes e bares... Quando se casa com um alcoólatra (que lhe agride físicamente) ela foge. Seu destino está selado. Bares de última categoria. Sujeira no rosto e nas mãos. Roupas rasgadas. Tiques nervosos na boca e nos olhos. Sarjeta. O inferno.

A direção de Daniel Mann é muito sutil. Muito estruturada. Ele nos faz compreender momentos muito fortes mostrando muito pouco. Até, assombrante para os anos 50, uma cena na qual Lillian, sofrendo por causa de falta de alcool, é violada por um mendigo qualquer na “instituição” para mendigos onde passava a noite. Fatos tristes da biografia de Lillian Roth.

Lillian entrou para os alcoólatras anônimos em 1946, conseguiu retomar sua carreira e em 1962 até fez Broadway de novo no musical “I can get it for you wholesale” (peça na qual ninguém brilhou, só uma novata de 18 anos que tinha dois números e pouquíssimas falas: Barbra Streisand). Por estas épocas ela já tinha voltado a beber. Passando por altos e baixos, falta de dinheiro, sete casamentos, empregos como cantora, atriz (Broadway em 1971 no musical de Kander & Ebb70, Girls 70” e dois filmes, um em 1976 e outro em 1979), assistente de padaria, atendente num hospital e até empacotando embrulhos... ela morreu aos 69 anos.

Helen Morgan, considerada por muitos até hoje como a “diva” da “Torch-Song” (Lá vem mais canções tipo “mulher vítima”, sim sobre aquelas que eram maltratadas por seus homens mas não deixavam de amá-los, de esperar por eles, de padecer por eles, de serem agredidas por eles). Tinha uma “marca registrada”: em todas suas aparições em Night-Clubs cantava sempre sentada sobre a cauda do piano. Mulher de um vasto repertório, bem mais interessante do que o de Roth, Morgan cantou muito Gerschwin e eternizou as baladas de “Show Boat” – produção de Ziegfeld (mais um paralelo em sua vida com Lillian Roth) na qual interpretou Julie, outra destas vítimas apaixonadas, dependentes de um homem e que (por coincidência) acaba não só num mar de lágrimas como também de gin...

The helen Morgan Story” é um bom filme, dirigido pelo legendário Michael Curtiz (“Casablanca”).
Ann Blyth, uma atriz “correta” (A filha de Mildred Pierce/ Joan Crawford, no filme homônimo, a esposa de Caruso no “O grande Caruso” ao lado de Mario Lanza e até na Opereta “Rosemarie” na qual usou sua própria voz que tendia muito a um registro bem “Soprano”), surpreendeu: Sua “Helen” é uma moça cheia de vida, do interior, que não bebe, não mente, não “circula”.
Quando ela é usada pelo cafajeste Larry Maddux (um jovem Paul Newman!) e logo depois abandonada, transforma-se numa pessoa triste. Sem “luz”. Aquela mulher de um homem só, sofrida, amargurada, vítima. Ela comeca entao a cantar. Abaixo, duas fotos de Helen Morgan.

Peu à peu vemos e reconhecemos certas tendências em sua personalidade... inseguranças, tristezas, angústias, solidão...
Morgan desenvolve sua música, seu “canto” e tem a grande chance de sua vida como “Julie” (já mencionada acima). Sua interpretação de “Bill” é um mundo de amor (mas também de sofrimento por causa de UM só homem... como Lillian Roth acima com “Joe”. Mais uma vez as sofredoras, as vítimas daquela época... Será que ainda existem hoje ou saíram mesmo de moda?).

Por vários motivos Morgan cai no álcool. Primeiro conscientemente, sabendo que tem que freiar-se, parar, voltar a ser normal. Depois não mais controlando-se até chegar ao ponto de cair de cara no palco. Fato que todos os jornais de N.Y. publicaram! Também uma caída fulminante na sarjeta. E um final, ao contrário de Lillian, não com os AA mas num hospital. Delirium Tremens, banhos de gelo, gritos, muito sofrimento e humilhacoes...
Blyth impressiona nestas cenas. Realistas para os padrões de 1957.

O final do filme é “positivo” transformando sua saída do hospital quase numa volta aos palcos, numa espécie de “Come-Back” e cantando, finalmente, para finalizar o filme, a linda balada de Julie em “Show-Boat”,“Can’t help loving that man of mine!”. E mais uma vez somos confrontados com dependência, sofrimento, vítimas do amor!

O filme não foi muito bem aceito pelo público e pela crítica, sendo o ponto mais criticado o fato de Ann Blyth não ter usado sua voz, tendo sido dublada por uma famosa cantora da época chamada Gogi Grant. O disco fez bastante mais sucesso que o filme. Não imagino porém como o registro de Soprano de Blyth teria adaptado-se às “Torch Songs” do período.

Helen Morgan trabalhou no cinema muito pouco, imortalizou porém sua “persona” nas duas primeiras versões de “Show-Boat” (O Barco das Ilusões, 1929 e 1936) que não devem ser confundidas com a versão de 1951 na qual Ava Gardner deu vida à trágica Julie.
O filme porém no qual mostrou mais coragem chamou-se “Applause” (1929) no qual ela interpreta a derrocada de uma corista de “Burlesque” alcoólatra que acaba suicidando-se. A arte imita a vida?

O “final feliz” de “The Helen Morgan Story” nunca aconteceu. Ela nunca parou de beber e morreu de cirrose no fígado aos 40 anos de idade em 1941.

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