Dentre as composições da parceria de Bertolt Brecht & Kurt Weill, a minha "all time-favourite" ainda é “Nanas lied”, uma quase homenagem ao meretrício…
Traduções, diz-se, nunca são tão boas quanto os originais ou tão fiéis às idéias originais do autor... pode até ser verdade, pois neste caso a tradução ao frances é, no meu ponto de vista, infinitamente superior ao original em alemão…
Tudo isso fácil de explicar-se: simplesmente pelo fator idiomático muito mais emoção “transborda” de Nana e vem à tona nos tocar...
Por exemplo, o que no original ela, referindo-se à si mesma e à sua “luta” diária, nos conta
Wo sind die Tränen von gestern Abend ?
Wo ist der Schnee vom vergangenen Jahr ?W
(Onde estão as lágrimas de ontem à Noite?
Onde está a neve do ano passado ?)
é maravihosamente (e musicalmente, em termos de sons, principalmente vogais) traduzido em
Hier tu pleures, où sont tes larmes ?
Où est la neige qui tombait l'an dernier ?
O que mais dizer? (Procurem talvez o original em alemão... interessante comparar...
Parte de um eterno disco (que me acompanha já ha quase uma vida inteira!) da brilhante atriz/cantora Catherine Sauvage (1929-1998), «Nanas Lied» se destaca – ou pelo texto melódico ou por seus acordes cheios de emoção que transformam a real (e trágica) situação de sua intérprete num momento de poesia para o espectador/ouvinte…
Brilhante…
Au rayon des amours à vendre
On m'a mise à dix-sept ans
Je n'ai pas cessé d'apprendre
Le mâle était dieu
Et je jouais le jeu
Mais j'en ai gardé gros sur le cur
Et en fin d' compte, je suis un être humain
{Refrain:}
Dieu merci, tout passe ici bien vite
Passe l'amour et passent les regrets
{x2:}
Hier tu pleures, où sont tes larmes ?
Où est la neige qui tombait l'an dernier ?
On a moins de peine à se vendre
À mesure que passe le temps
Les clients se font moins attendre
Mais les sentiments ne sont plus très ardents
Quand on les gaspille à tous les vents
Et en fin d' compte, mes réserves s'épuisent
{au Refrain}
Au rayon des amours qu'on paie
On a beau comprendre vivement
Transformer l' désir en monnaie
C'est jamais marrant
On s'y fait pourtant
Mais un jour, la vieillesse vous surprend
Et en fin d' compte, on n'a pas toujours dix-sept ans
{au Refrain}
sábado, 9 de agosto de 2014
domingo, 3 de agosto de 2014
“O criado” (The Servant, 1963, Joseph Losey)
“O criado” (The Servant, 1963, Joseph Losey) representou para mim uma das experiencias mais inquietantes e angustiantes pelas quais passei nas últimas semanas…
Um filme cheio de desconforto psicológico para alguns dos personagens (outros usam e abusam do direito de criar este desconforto… ) mas principalmente para o espectador, que está “preso” fora da tela e por este motivo “de mãos atadas”, impotente.
À parte da trama principal me fascina a visão de Losey sobre a “reversão de papéis” - a mesma reversão pela qual Elizabeth Taylor e Mia Farrow passam em “Cerimonia Secreta” (Secret ceremony, 1968) e sobre os papéis da classe rica dominante e dos serventes - o mesmo “jogo” pelo qual passam Julie Christie e Alan Bates em “O mensageiro” (The go-between, 1970). Ambos de Losey.
Em “O criado”, porém, ele trata ao mesmo tmepo estes dois temas, que mais tarde enfocaria separadamente. Fascinante!
Tudo isso me fez compreender o porque de Losey ter dirigido em 1973 “A casa de Bonecas” de Ibsen (A Doll’s House), filme que foi considerado na época como material muito distante do seu habitual caleidoscópio… Nora, oprimida por seu marido, uma “boneca” dentro de uma “casinha de bonecas” (claustrofóbica) sempre sendo movida de lá para cá, e daqui para acolá pelos desejos de seu marido – a cena em que baila a “Tarantella” como se o marido tivesse ligado um botao para comandá-la, é mais do que sintomática – termina o filme (a peça) como a vencedora. Livre do subjugo do esposo. Mais uma vez uma completa reversão de papéis…
De volta a “O Criado”: o filme é desenvolvido sobre um roteiro absurdamente simples. À primeira vista. Hugo Barret torna-se empregado do rico Tony. Ambos parecem felizes nos seus respectivos papéis de “Empregador” e “Empregado”. A namorada de Tony, Susan, desgosta imediatamente de Hugo.
Como que por premonição.
A trama complica-se quando Hugo trás sua “Irmã” Vera para trabalhar também como empregada. Vera, que na realidade é a amante de Hugo, seduz Tony. Este se apaixona por ela. A partir deste momento Tony e Hugo (com a maquiavélica ajuda de Vera) vão , pouco a pouco, invertendo seus papéis… Ele torna-se a "boneca da casinha", subjugado pelos dois...
Mas tudo isso de uma maneira tão “suja”, “vulgar” que nada sobra ao expectador a não ser se sentir desconfortável, até envergonhado pela fraqueza de Tony e pela forma enganosa, falsa de Hugo (e de sua cúmplice Vera).
Tony torna-se uma sombra do que foi, incapaz até de articular-se…
Uma das cenas que nos revela o que “ainda está por vir” é a cena do jantar. Tony e Hugo sentados juntos à mesa. Hugo comendo da panela enquanto Tony elogia a comida. Hugo reclamando da comida. Papéis inversos. Tony tentando agradar Hugo, o empregado. Hugo declinando qualquer agrado de seu empregador.
Todo o filme é repleto de curtas cenas individuais que revelam propositalmente o que realmente está acontecendo… Até o uso do tema musical principal (maravilhosamente cantado pela magnífica, eterna, “jazzy” Cleo Laine) é revelador… e como um caleidoscópio, “muda” em cada vez que é tocado.
As atuações de Dirk Bogarde e James Fox, em seu primeiro papél nas telas, (como os principais masculinos) são impecáveis.
Os olhos e sorrisos cínicos de Bogarde “delatando” a verdadeira personalidade de Hugo. Wendy Craig e Sarah Miles (como as secundárias femininas) também perfeitas. Susan a moça fina, de família. Vera, uma sórdida “tramp” de baixo nível, repugnante moralmente, melhor descrita só por palavras de baixo calão.
É óbvio que a real dinamica do filme acontece dentro da relacão, do diálogo entre Hugo e Tony. Os críticos da época “pescaram” e citicaram o sugerido homossexualismo da relação deles. Mas, ainda mais importante do que as duas mulheres secundárias, a presença da “casa” é importantíssima!
A pressão quase claustrofóbica que ela exerce sobre os personagens (e sobre os espectadores) é extraordináriamente realçada pela fotografia/cinematografia em preto-e-branco de Douglas Slocombe. A casa, desta forma, transforma-se num microcosmo de desequilíbrio, inquietude, neurose, batalhas psicológicas e depravação. Um filme doente mas brilhantemente encenado/dirigido.
Quando o filme terminou permaneci sentado no meu sofá, no silencio barulhento de uma noite fria de chuva de verão vienense. Só para recolocar a cena final, as últimas imagens - Aquela sombra do que Tony foi é trágica… aquela sombra que Hugo planejou e executou com auxílio do álcool, tão íntimo “amigo” de Tony e ferramenta de extrema importancia no plano maquiavélico do "servente".
Obra-prima de Losey!
Mas repito: uma das experiencias mais inquietantes e angustiantes pelas quais passei nas últimas semanas…
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