Nunca assisti „Nossa Cidade“ (Our Town) no teatro e só há poucas semanas tive a oportunidade de ver esta maravilhosa peça, pela primeira vez, como um filme de 1940…
Considero “Nossa Cidade” “that kind of stuff” do qual são feitas obras de arte. Já a li e reli tantas vezes desde 2006 que a tenho toda "encenada" dentro da minha cabeça... Quem sabe um dia?????
Minha relação com “Nossa Cidade” (Our Town) é meio oblíqua. Li esta peça pela primeira vez há muitos, muitos anos no Brasil quando ainda era adolescente. Não devo te-la realmente entendido pois nunca dei-lhe o devido valor… Coisas da idade?
Muito, muitos anos depois (para ser preciso 2006) eu estava passando uma longa temporada de 12 semanas no hospital e pedi para minha mãe levar-me a versão original em ingles que tinha comprado numa loja de livros usados algumas semanas antes de me internar. Eu sabia que este livro estava no meio de uma pilha que mantenho na minha mesa de cabeceira: os ainda “não lidos”.
Logo nas primeiras páginas dei-me conta que começava a reler algo importante, algo maravilhosamente bem composto…
Thorton Wilder mais uma vez me fascinou completamente: considero “The Skin of our Teeth” (A Pele dos nossos Dentes) uma das grandes obras do teatro Americano (um dia, com certeza, tertuliaremos sobre “Skin”) mas senti-me mais próximo, mais identificado com o questionamento de “Our Town”. Não é à toa que “Nossa Cidade” recebeu o Pulitzer Prize de 1938; não é à toa…
O “narrador” de “Town” é o “Stage Manager” (o "diretor de Cena"). A particularidade dele é que ele é o único no palco que está ciente da não existencia da “quarta parede” e fala com a platéia diretamente. Em 1969 Henry Fonda fez o "Diretor de Cena"... Junto à Mrs. Gibby da talentosíssima Joan van Fleet)
A peça nos mostra a rotina diária de uma pequena cidade e das casas de duas famílias nos princípios do século XX. Na “Nossa Cidade” a vida ainda é perfeita apesar de tudo estar mudando rápidamente (Em 1938 grande parte da platéia ainda lembrava-se de como a vida tinha sido diferente “só” trinta anos antes), a grama é verde, ninguém tranca suas portas à noite, o leiteiro (que aparece nos tres atos) é tratado como se fosse parte das famílias.
Wilder, sempre inovador, colocou atores na platéia… em certa parte o Diretor de Cena até traz personalidades da “ciencia” para descrever “científicamente” a cidade. Seu uso de cenários foi bem escasso - quase espartanico. Em uma cena onde os dois atores principais, ainda adolescentes, conversam das janelas de seus respectivos quartos enquanto fazem seus "deveres" para a escola, só existe uma única indicação: duas escadas altas e os dois no alto delas.
O plot central se estabelece no primeiro ato entre o filho, George Gibbs, de uma casa e a filha, Emily Webb, da casa ao lado.
No segundo ato eles se casam.
O terceiro ato começa no cemitério da cidade. Ao lado esquerdo do palco um grupo de pessoas assiste um enterro. Do lado direito várias cadeiras, muitas delas vazias. Reconhecemos logo Mrs. Gibbs, mãe de George. Túmulos (Aqui a única foto que encontrei da produção original de 1938. O preciso momento em que George se joga sobre o túmulo de Emily... Em primeiro plano o "Stage Manager").
Do grupo do enterro aparece Emily e se dirige às cadeiras. Ela está morta. Este é o seu espírito que, como todos os que ali estão sentados, ainda não se liberou da vida terrestre.
Os mortos lhe contam que estão ali sómente esperando… esperando esquecer a vida anterior… mas Emily se recusa a aceitar isso. Como poder esquecer? Logo descobre que é possível “re-viver” partes do passado. Apesar de várias advertencias Emily decide “voltar”. Concorda porém voltar num dia “normal” (não de grandes festas!) e escolhe o seu aniversário de 12 anos! Vendo seus pais, seu irmão e George ela se dá conta que as pessoas não “vivem” os momentos, não os prezam, não dão o devido valor à cada situação. Pois cada momento na vida é especial. Tudo nos parece ser “comum e óbvio” – só quando perdemos estes momentos para sempre nos damos conta do quão preciosos eram.
Ela perde sua compostura e começa até a gritar com ela mesma (com a menina de doze anos) e com os outros (que não a vem nem ouvem) dizendo: “Olhem-se, Olhem-se nos olhos! Voces não se dão conta da importancia deste momento?”. Muito angustiante sua impotencia neste momento.
De volta “às cadeiras” ela pergunta ao Narrador se alguém compreende e valoriza a vida enquanto está vivo… ele responde “Não. Talvez os Santos e os poetas. Talvez”. Ela volta para o seu túmulo. O Narrador termina a peça com um curto monólogo e deseja uma boa-Noite ao público.
Wilder nos ilustra a importancia para o Universo das vidas simples, porém significativas como as dos Gibbs e dos Webb, para demonstrar o real valor da apreciação à vida… e como túmulos são na realidade vazios pois as almas já estão em outro lugar depois de "esquecer" a “vida”. Wilder alcança em seus diálogos um nível alto de espiritualidade que em nenhum momento transforma-se em barato esoterismo. Muito pelo contrário. De sua forma também nos mostra como devemos deixar os espíritos "irem", "desprenderem-se" daqui. Deixemos-los em paz.
Há algumas semanas atrás recebi o DVD de “Our Town”, filme de Sam Wood de 1940 com Martha Scott como Emily, Fay Bainter como Mrs. Gibbs e um jovem, bonito e talentoso rapaz de 21 anos chamado William Holden (como voces já devem ter percebido nas fotos acima), de quem muito iríamos ainda ouvir...
Decepcionante é o fato do “Happy-End”. Emily não morreu dando luz à uma criança… Tudo foi “só um sonho”. Infelizmente não foi isso o que Wilder escreveu.
Mesmo assim – com exceção da cena final – tive uma experiencia maravilhosa ao assistir esta peça que tanto me impressionou numa época em que me recuperava de uma grave operação e sentia ter recebido “mais uma chance” para viver. Foi uma coisa muito positiva que vicenciei. Assistir este filme foi para mim como rever antigos amigos. Obrigado por este presente, Mr.Wilder!.
Uma curiosidade: já por outro lado o governo soviético proibiu uma produção de Our Town em 1946, no setor ocupado pelos russos em Berlin por considerar o “drama muito deprimente e capaz de poder inspirar uma onda de suicídios entre os alemães na época pós-guerra”.
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