quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Waterloo Bridge (1931 & 1940)



Waterloo Bridge foi inicialmente um peça de teatro de Robert E.Sherwood sobre um trágico romance e sobre injustiça social. Numa Londres da Primeira Guerra, uma americana, dançarina de “Revista”, chamada Myra passa por maus tempos financeiramente e acaba prostituindo-se. Ela conhece e se apaixona por um jovem oficial inglês que não sabe do seu “segredo”. Eles planejam casar-se e ela viaja com ele para a propriedade de campo de sua família.

Em 1931 o inglês James Whale (“Frankenstein”, “The Bride of Frankenstein” – vide minha postagem sobre Elsa Lanchester de 14.11. 2008) dirigiu esta sutíl versão que foi estrelada pela então muito “en vogue” Mae Clarke (“The public Enemy”, “Frankenstein”) – que acabaria a década de 30 como atriz nem secundária e sua carreira como uma mera “figurante”, como por exemplo, a cabelereira de Jean Hagen, a fabulosa “Lina Lamont” de “Singin’ in the rain” (MGM, 1952, vide minha postagem sobre Hagen de 08.11.2008). Mais sobre Miss Clarke uma outra vez… Neste filme aparece também Bette Davis, num minúsculo papel, em início de carreira. O "gala" Kent Douglass depois transformou-se em Douglass Montgomery...

Numa era anterior ao código “Hays” (que tiraria da indústria cinematográfica, toda a liberdade intelectual sacrificando-a em nome de um pudor excessivo, que também transformou muito a mente e a moral americana), este filme usa e abusa de uma liberdade surpreendente para Hollywood, apresentando a prostituição de uma forma não esteriotipada e num contexto bem adulto e maduro. Myra teve que escolher entre o “pecado” e “morrer de fome” e odeia a si mesma. A sua decisão em não casar-se com o oficial é o fruto de uma conversa sobre “honra” com a simpática mãe do seu noivo. Myra transforma-se numa vítima do cruel código de conduta da sociedade. Mais uma.


Em 1940 este filme foi refeito com Vivien Leigh (seu primeiro papel depois de Scarlett) e Robert Taylor. Foi um sucesso imediato e hoje em dia, ainda que quase esquecido, é considerado um filme muito sensível, de amor (por incrível que pareça um grande sucesso na China!). Existem porém pormenores desta estória, pequenos detalhes que foram completamente modificados nesta versão para agradar o público da época. Muitos deles impostos pela censura da época, já que o original “Waterloo Bridge” tinha sido proibido pelo código Hays desde 1934 (tendo desaparecido até alguns anos atrás, quando uma cópia foi por acaso encontrada num arquivo da Universal). Aqui vao algumas explicações:

A Myra de Leigh é uma inglêsa (este filme é mais um de uma série de filmes que foram feitos como “propaganda de guerra” como “Mrs.Miniver” com Greer Garson) que fala um belíssimo inglês “upper crust”. Ela não é uma dançarina de “Revista” porém uma Ballerina – e exatamente por este motivo é aceita pela família aristocrática de Roy (Robert Taylor): cultura, “Upbringing”, bom-gosto e Finesse sempre foram fatores essenciais para alguém agradar num bom filme de Hollywood (outro ponto "cultural": « O lago dos Cisnes » é apresentado, numa horrorosa versão Hollywoodiana - este um dos poucos fatos que me perturba no filme). Ela não é uma “Street Walker” quando encontra Roy, transforma-se sim numa, para sustentar-se e poder comer, quando pensa que ele morreu durante a guerra. Mêses depois.
Sua “caída na vida” não nos é mostrada completamente… só muito sutilmente, na ponte. Reconhecemos que ela virou uma “Dama de Noite” pelo fato de ver-mos-a com um vestido de cetim muito diferente das roupas que Myra, a pura Ballerina usou na primeira parte do filme. Nesta cena ela está na Waterloo Station nervosamente procurando “clientes” quando vê Roy, que julgava estar morto, saltando de um trem. Uma cena sofrida, forte.


Mesmo assim ela manteve-se (visualmente) glamourosa e com aspecto saudável; sua nova profissão só expressada nas suas tristes, às vezes desesperadas, expressões faciais. Incrível como Leigh/Myra "envelhece" em sua maneira de ser na segunda parte do filme.

Mas o fato que Myra é uma “fallen woman” é sua sentença de morte. No momento em que, para o público, seu “Status” cai de Ballerina para prostituta, o seu destino está decidido. A peça de Sherwood e o filme de 1931 imploram por compreensão, a versão de Metro de 1940 aceita as coisas como elas são, não as questiona e deixa o destino acontecer “como ele deve ser”. Pelo menos como o público da época pensava que devia acontecer.

O filme tem vários cuidados puritanos como por exemplo em certos diálogos: quando a mãe de Roy lhe pergunta porque ela não quer, não “pode” casar-se com Roy, ela diz: “Was there another?” ao que Myra lhe responde: “Lady Margaret, Don’t be naïve!”, escandalizando a velha senhora. Também a preocupação em deixar claro para o público que Myra e Roy não tiveram nenhuma relação sexual, nenhum “Hanky-Panky”, é extrema (ao contrário da versão de 1931, na qual os dois até vivem juntos por um tempo). Este último fato é muito importante para a percepção subjetiva do caráter de Myra para o público da época: Ele separa distintamente a “boa” Myra, da “má” Myra.
Porém o fato mais interessante é a morte de Myra. Mae Clarke, na primeira versão, acende um cigarro, quebrando assim o “Black-out” de Londres e atraíndo a atenção de um Zeppelin alemão que deixa uma bomba cair. Este fato tira no final do filme qualquer simpatia que o público poderia ter com este personagem. Ela morre e, além disto, leva muitos com ela. A Myra de Leigh suicida-se por causa de sua consciência na Ponte de Waterloo. Sua angústia, em não poder “honrar” o homem que ama não lhe dá mais a liberdade de viver em paz consigo mesma. Este fato transforma-a imediatamente numa “boa alma” no final do filme e o público chora por ela.
Esta é a grande diferença entre as Myras de Clarke e Leigh. A forma como o público, ao sair do cinema, as leva como lembrança…

Pensado-se bem, “Waterloo Bridge” da MGM tem grandes similaridades com “Dr.Jekyll and Mr.Hyde” (“O médico e o Monstro”, também da MGM, 1940): Nem Myra nem o Doutor Jekyll querem causar dano a alguém mas eles causam, e reagindo assim transformam-se em “Monstros” anti-sociais. Durante a época do código puritano Hays nem monstros nem “mulheres caídas na vida” tinham um lugar dentro da sociedade, direito à vida. Pelo fato deles serem o que eram, deviam morrer…

O roteiro foi originalmente escrito para Leigh e seu amor (porém não ainda marido) Laurence Olivier. Vivien ficou muito deconcertada com a escolha de Robert Taylor. Este porém pegou a chance no que seria seu trampolim para tornar-se um ator sério. Os dois tem uma grande química nas telas e Vivien nunca foi fotografada tão lindamente como neste filme, talvez só em “That Hamilton Woman” (com Olivier, a história de Lord Nelson, MGM 1941). Vindo de sua tempestuosa “Scarlett” sua transformação na doce e muito meiga Myra é um lindo e inteligente trabalho de atriz (“Bridge”, na realidade, foi-lhe dado como “prêmio” por ter perdido “Rebecca” com Olivier… Viv tinha saído do set de GWTW e não teve suficiente tempo para “desglamourizar-se” de Scarlett para virar a “Menina”… Raríssimos “takes” deste teste são a prova: Hitchcock achou-a bonita demais para o papel e contratou Joan Fontaine – vide “Letter from an unknown Woman”, uma postagem de 13.08.2008 que foi dedicada à minha amiga Maurette).

Muito bem dirigido por Mervin LeRoy o filme conta com a presença de ótimos atores como Lucille Watson (a mãe de Roy e num dia futuro um bom motivo para um postagem aqui), Virgina Field (sua amiga sincera que porém a leva para a prostituição), Maria Ouspenskaya (como a tirana Madame Olga Kirowa que despede Myra da compania de Ballet pelo fato dela ter perdido uma apresentação para poder ter-se despedido de Roy na Waterloo Station) e o inimitável C. Aubrey Smith (como o “Duque”, tio de Roy que inocentemente fala de “Honra” para Myra, levando-a à sua final crise). O filme porém pertence a Leigh & Taylor. Lindos. Apaixonados. Sinceros. Românticos.

Eles já tinham trabalhado juntos em 1937 em “A Yank in Oxford” MGM inglêsa), ela num papel secundário e distante “anos luz” de Scarlett… (A principal atriz do filme era uma “pedrinha no sapato” de Vivien, pois na infância tinha estudado no mesmo colégio interno que Viv e era uma menina pobre, de família simples e Viv o “sucesso” da escola: Maureen O’Sullivan… sim, a Jane do Tarzan e mãe de Mia Farrow).

Vejam esta sensível cena, bem no meio do filme. Myra e Roy apaixonados, na noite anterior à sua despedida em direção à guerra… Ah, Hays Code ou não, diferenças do original ou não, puritanismo ou não, não é uma linda cena romântica ?????? Acho que esta cena “dá a bandeira” do “mood” deste filme. Que direcao... que mestre do cinema era Mervin LeRoy!
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Quando uma vez lhe perguntaram qual era seu filme preferido, “Lady Olivier” (Vivien) contestou sem titubear um segundo: “Waterloo Bridge”, colocando este pequeno e esquecido clássico na frente de dois filmes pelos quais recebeu “Oscars”. "GWTW" (…e o Vento levou!) e “A Streetcar named Desire” (“Um bonde chamado Desejo") no qual ela deu vida à Blanche Dubois… Mas isto já é uma outra estória!<

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