Quero começar esta nova série, "The Forgotten", com uma personalidade nada corriqueira e muito interessante… Nazimova!
Quem se lembra de Leslie Caron interpretando Alla em “Valentino” de Ken Russel? (Vide minha postagem de 22.04.2008, uma das menos lidas...). Alla realmente deve ter sido uma grande diversão para Leslie que parece estar se divertindo, se esbaldando com seu papel... Caricata, genial, louca, com sotaque, dramática, diva... Mas realmente existiu uma Alla assim tão louca?
Adelaida Leventon nasceu na Crimeia (então parte do império russo, hoje parte da Ucrânia) em 1879, parte de uma família judia bem “disfuncional”. Sua infância e juventude foram instáveis: o divórcio dos pais, estadias em colégios internos, em instituições educacionais e em casas de parentes. Parece que sua instabilidade emocional transformou-a ainda bem cedo numa rebelde, que lutava contra qualquer tipo de autoridade; na maioria das vezes porém para obter atenção... Uma criança muito precoce, ela aprendeu a tocar o violino aos sete anos de idade. Como adolescente ela demonstrou um interesse pelo teatro e começou a tomar aulas, para logo depois unir-se ao “Teatro de Arte” de Stanislavsky em Moscou como “Alla Nazimova” (prenome adaptado do seu próprio e “Nazimova” o nome de uma heroína de uma novella russa que muito apreciava). Durante essa época ela manteve-se financeiramente como uma “kept woman”, “ajudada” por homens mais velhos... Por voltas de 1903 a sua carreira tomou um rumo distinguido em Moscou e St.Petersburg. Ela então conheceu Pavel Orlenev, amigo íntimo de Anton Chekhov e Maxim Gorky e ingressou nao só numa relação pessoal com ele mas numa também a nível profissional. Juntos fizeram tournées com muito sucesso pela Europa. Em 1905 mudaram-se para Nova York e fundaram um Teatro russo no Lower East Side (uma parte “russa” da Manhattan da época). O projeto transformou-se num fracasso. Orlenev retornou à Rússia. Nazimova ficou em Nova York.
Ela teve seu “début” na Broadway em 1906 com grande sucesso de crítica e público e transformou-se numa personalidade popular (um teatro levou até seu nome!) no teatro. Continuou na Broadway por muitos anos, muitas vezes com peças de Ibsen e Chekhov (de quem ela, na época, era considerada a maior intérprete). Agora ela só chamava-se “Nazimova”.
Nazimova fez seu primeiro filme em 1916. Tinha feito muito sucesso na peça “War Brides” de 1915 e quando esta foi transformada num filme de 35 minutos, ela recebeu o papel principal. A partir daí ela passou a fazer contínuamente filmes, que lhe trouxeram não só fama mas muito dinheiro. Em 1917 ela já ganhava $ 30.000 por filme, com um bonus de $ 1.000 por cada dia de filmagem. Brevemente passou a receber $ 13.000 por semana – uma quantia absurdamente alta para a época. Imaginem só que a “Namoradinha da América”, Mary Pickford, ganhava na época $ 3.000 por semana...
Em 1918, aos 39 anos, ela decidiu passar a produzir seus filmes e escrever seus próprios roteiros. É sobre esta época, sobre seu valor avant-gardista e sobre o riquíssimo valor visual de seus filmes que queria dissertar um pouco aqui...
Em 1922 “A Doll’s House” (“Casa de Bonecas”), no meio de sua fase mais criativa, foi uma produção de certa forma clássica, formal. Porém seu uso ousado da camera inspirou muitos cineastas.
.....................(Pobre "Nora" bailando a Tarantella)....................
Seus trabalhos mais “apaixonados” e “enlouquecidos” da época foram “Camille” (1921) e “Salomé” (1923). Cercada de grandes talentos, Alla deu realmente “asas” à sua imaginação e embarcou numa louquíssima, alucinada viagem “avant-garde” construíndo (ao seu redor) “sets” que nunca tinham sido vistos, usando guarda-roupas que nunca haviam existido, criando efeitos que nunca foram cogitados...
Em “Camille” ela contracenou com um jovem talento que acabava de chegar ao estrelato depois de “dançar um erótico tango” em “Os quatro cavaleiros do Apocalipse” (“The four horsemen of the Apocalyse”, 1921): Rudolph Valentino. Rudolph foi o “Armand” para a sua “Camille”. A responsável pela “produção artística”, ou seja, pelos sets art-decó e pelos excepcionais guarda-roupas era Natacha Rambova, que havia nascido como Winifred Shaughnessy e que era a amante de Alla na época. Ela ainda faria a produção de “Salomé” para Nazimova mas logo casaria-se com Valentino para abandoná-lo logo depois. Mas isto já é assunto para uma outra postagem!
Detalhe: a magreza quase anoréxica de Nazimova para interpretar a tuberculosa Marguerite e toda sua fragilidade exterior e interior...
Alla – que sabia reconhecer um talento (como tinha feito com Valentino, contratando-o para “Camille”) e também um “scene-stealer”, não titubeou duas vezes, reduziu o número de cenas de Valentino e transformou o final “a dois” de “Camille” (quando Armand volta finalmente aos braços de Marguerite para perdê-la para a morte) num “solo”. Ela morre sózinha, Armand tendo sido substituido pelo livro (!!!) “Manon Lescaut”, e fica com o final lacrimejante do filme só para ela. Nao sei o que Dumas Jr. teria pensado disto...
...lindo "take" que deve ter inspirado Cukor na sua versao de "Camille" com Garbo...
Aqui mais algumas fotos que mostram a linda fotografia e o decór do filme, que só por este motivo já é uma obra interessante.
“Salomé”, sua produção mais ousada, que lhe custaria sua carreira em Hollywood, foi uma homenagem a Oscar Wilde. Por este fato Alla fez questão que a publicidade divulgasse o fato de que sua produção era uma “all homossexual-production of Salome”. Fato este que também sacrificou a carreira de muitos atores e atrizes do filme...
Nazimova e Rambova não pouparam em detalhes – do seu penteado de “pom-pons” (um clássico, imitado por Leslie Caron em “Valentino”) ao robe que era quase a réplica de uma ilustração de Beardsley para a edição original de “Salomé” – e a produção foi caríssima.
Ela com certeza desenvolveu uma técnica própria em suas produções mas estas, apesar de terem sido elogiadas pela crítica, foram consideradas muito “ousadas” pelo público da época. E olhem que estamos ainda dez anos antes do “Hays Code” (censura), numa Hollywood muito “aberta”. Pensem nos filmes (e cenas de orgia) de Cecil B. deMille !!! Ela perdeu práticamente todo seu capital, vendeu sua mansão que havia construído em 1919 e que tinha sido cenário das maiores “debauched parties” da era dourada do cinema mudo (o famoso “Garden of Alla” que em 1927 transformou-se num hotel de Bungalows chamado “Garden of Allah”, onde ela mesmo alugou um pequeno quarto para si).
Por voltas de 1925 ela não tinha dinheiro para investir em filmes, perdeu todo o seu suporte financeiro, não conseguiu levantar um empréstimo e voltou para Nova York para trabalhar no teatro, na Broadway (como por exemplo para estrelar como Natalya Petrovna na versão dirigida em 1930 por Rouben Mamoulian de “A Month in the Country”).
Alla teve uma vida amorosa muito atribulada... Diz-se que seu casamento com o ator Charles Bryant era um “lavender marriage”. O que pode ser, já que ele era assumidamente gay e ela, durante o passar dos anos, teve casos de amor com Jean Acker e Natacha Rambova (AMBAS esposas de Valentino), com a atriz Eva Le Gallienne, com a assumidíssima diretora Dorothy Azner, com a escritora Mercedes de Acosta (amissíssima de Garbo e Dietrich) e com a sobrinha de Oscar Wilde, Dolly Wilde, entre outras.
Nazimova voltou a Hollywood no início dos anos 40 para trabalhar como coadjuvante em filmes como “Escape” (1940, como a mãe de Robert Taylor), “Blood and Sand” (“Sangue e areia”, 1941 como a mãe de Tyrone Power), The Bridge of San Luis Rey (1944) e “Since you went away” (1944, com Claudette Colbert, Jennifer Jones e Shirley Temple!). Mas ela mesmo disse que o único motivo para fazer estes filmes era realmente a necessidade de dinheiro.
Alla sobreviveu a um cancêr de mama mas sucumbiu a uma trombose coronária em 1945 aos 66 anos de idade. Sua contribuição ao cinema, mesmo que desesperadamente avant-gardista e, hoje em dia, nada fácil de ser “catalogada”,"classificada" (e se voce hoje em dia sai da "norma", está perdido... ) foi reconhecida e ela recebeu uma estrêla no “Hollywood Walk of Fame”.
Famosíssima em seus dias, sua fama hoje em dia não chega perto de nomes como Chaplin, Swanson, Keaton, Gish, Pickford, Fairbanks, Lloyd mas esta ilustração da época mostra que Alla esteve lá, e em grande companhia por sinal!!!!
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