sexta-feira, 6 de março de 2009

Romeo & Juliet, Lynn Seymour, Christopher Gable, Dame Fonteyn e a Generosidade dela...

Tendo passado alguns dias em casa por causa de uma gripe muito forte, li muitas coisas a partir do momento em que comecei a melhorar. Entre elas folheei um pouco da última biografia de Nureyev que foi publicada. Este trabalho, admirável pela sua incrível pesquisa que ocupa 700 páginas, foi escrito por Julie Kavanagh em 2007. Este livro abriu-me muitas portas sobre uma situação, sobre um “Puzzle” do qual eu não tinha todas as pedrinhas… Agora, com estas poucas páginas que li, tenho-as. Recebi este trabalho de presente ano passado. Infelizmente, nunca me interessei muito por Nureyev e não venero sua memória comos muito fazem, príncipalmente depois de ter lido (em outra biografia, a única que li) que ele, mesmo sabendo de sua doença (AIDS) não mudou em nada sua conduta sexual (sendo causador de uma grande parte da forma em que esta doença se alastrou nos anos 80). Não posso idolatrar um pessoa assim que, ao que me parece, tinha muito ainda o que aprender sobre o respeito humano, sobre a moral. Onde está a moral de alguém que propositalmente coloca a vida de outros em jogo ? Bem, este não é o assunto desta postagem (Já escrevi sobre este assunto, acho que ou em “Valentino” – postagem de 22 de abril de 2008 – ou em « Mikhail Baryshnikov: transparência e simplicidade » de 16 de abril de 2008, leiam… ).


Kavanagh conta uma estória deveras interessante para nós que vivemos no mundo do Ballet.
“Romeu e Julieta” estava planejado na agenda do Covent Garden há anos para Rudolf. De fato Leonid Lavrovsky concordou em 1963 a enscenar seu Ballet mas saiu do seu acordo um ano depois. No meio tempo Kenneth MacMillan, coreógrafo “da casa”, estava mais do que preparado para este desafio. Ele não só escolheu Nicos Georgiadis como designer de produção como baseou-se também abertamente numa encenação nada lacrimejante e muito anti-romantica de Zefirelli de 1960 com Judi Dench – sim Judi Dench, a incrível Judi Dench em 1960!!!!!!! – como uma assombrosa, nada romântica Julieta e sim uma mulher que não esperava pelo que a vida iria dar-lhe de destino. Ela fez seu destino. Ela tinha a responsabilidade por ele. Uma outra visão deste personagem. E muito interessante...
MacMillan estava mais do que certo que a JUVENTUDE tinha que ser a figura principal de sua obra. Ele usou Lynn Seymour como Julieta e para seu Romeu, ninguém menos do que Christopher Gable (vide « The Boy Friend » de 20 de março de 2008), um menino « Cockney » que representaria Romeu da mesma forma que Leonard Whitting o faria no filme de Zefirelli de 1968 – sim um menino inglês com quem a juventude de King’s Road poderia identificar-se… (Ele teria achado Rudolf mais apropriado para o papel de Mercutio, uma parte satírica, istrionica - bem mais perto da personalidade de ballet de Nureyev - nao um príncipe nobre... ). Nada disto foi um surprêsa já que Kenneth tinha coreografado a cena do balcão com Lynn e Christopher para a televisão canadense. Porque Lynn e Christopher eram bailarinos de quem muito gostava e em quem muito confiava, ele os convidou a contribuir com suas próprias idéias… Os três transformaram-se num trio inseparável, criando o que eles chamavam de “o nosso Ballet”. Lynn, apesar de muito gostar de Nureyev, sentia-se mais à vontade com Christopher, um bailarino que ela considerava « sem mêdo ». Numa crítica mais tardia de “Vogue” constou: Nenhum dos dois representa clichées, eles simplesmente quebram nossos corações…


Romeu e Julieta de MacMillan quebrou corações – os dos seus criadores!
Pouco tempo antes da premiére foi anunciado pela direção do Covent Garden que para a estréia seria necessário um elenco de “primeira classe”. Fonteyn (juventude?) e Nureyev. MacMillan ficou sem palavras tendo que aceitar o que muitos consideraram um «grande êrro». Frederick Ashton nao ajudou-o. Teria ele mêdo do seu novo rival, David Webster, que tomou esta decisão? Margot estava precisando de um novo Ballet para sua tournée pela América, disseram. MacMillan nunca deixou de dizer que este « veículo » não era apropriado nem para Fonteyn, nem para Nureyev. Para os corações quebrados de Lynn e Christopher Gable foi adicionado o fato que eles pessoalmente, por falta de tempo, teriam que ensinar “seus” papéis para o novo elenco de primeira classe. Ninguém parecia porém importar-se com os sentimentos, a desilusão, a tristeza dos dois. Os únicos, além de MacMillan, foram Fonteyn e Nureyev. Sim. E este é o “pointe” desta postagem que só virá no último parágrafo dela.


Testemunhas oculares falam de como uma coreografia, criada para as linhas interessantes (porém nada clássicas) de Seymour não entrava na “perspectiva” extremamente simétrica de Fonteyn. Mas este foi o menor problema. A interpretação romantica de Fonteyn tranformou-se numa interpretacao histrionica, fora de lugar, tirando todo o realismo da Julieta não romantica de Lynn e como criada por MacMillan – uma mulher decidida. Não deixemos-nos influenciar pelos preconceitos associados com Julieta... A Julieta de MacMillan simplesmente não era originalmente assim (será que a decidida menina de 14 anos de Shakespeare foi?), ela não foi concebida por ele desta forma… ela não era Sarah Bernhardt, nem uma vítima… e isto deve ser duro para um coreógrafo… ver uma mulher que era o centro da trama e do drama do seu Ballet transformar-se numa (outra) vulnerável do mundo do Ballet... Mais uma. Encaro a "leitura" de MacMillan de Julieta como uma coisa muito sábia, de muito "insight", profundidade. Muito inovativa.
Certos momentos do Ballet foram criados para ser absolutamente “revoltantes”, fortes, horrendos e não “bonitos”, “líricos”… por exemplo, como contado, as reações físicas de Julieta/Seymour depois de ter tomado o veneno. Movimento, posições indescritíveis no dicionário do Ballet para um cadáver que, caíndo e sem forças, ainda não morreu. Feia. Cheia de dor. Real. Fonteyn, como descrito pela própria Lynn não queria prescindir de sua dança e elegancia e foi ajustando os movimentos, assim como já tinha ajustado a tensão sexual, originalmente na coreografia, à sua forma completamente assexuada de ser no palco. Esta sua atitude, mudando a “intenção” da coreografia foi considerada uma grande “sabotagem”. Até por ela mesmo, pelo que parece.
Fala-se que as vezes o público saía das apresentações com grandes dúvidas, se a relação entre Margot/Julieta e Rudolf/Romeu havia sido consumada ou não… Um insulto à uma obra de um coreógrafo.
“Nós tentamos colocar a visão de MacMillan no palco. Margot e Rudolf só trouxeram um “velho conceito, uma velha idéia” à uma nova produção”, disse Lynn.Sendo muito sincero, Margot não tinha muito em comum com a heroína de MacMillan… e se baseou no seu “modêlo”, Galina Ulanova… Dizem que de Ulanova ela aprendeu a arte da longevidade… em transformar-se numa menina de quatorze anos no palco, mesmo sem maquiagem ou figurinos. Eu não concordo, pois sempre achei muitas vezes as “carinhas doces” de Fonteyn muito distantes de sua verdadeira idade, muito irritantes. E às vezes muito ridículas em certos papéis. Mas muitas vezes ela me emocionou muito. Acho que Fonteyn, por falta de uma boa, exata direçao desaprendeu “where to draw the line”. O “ser boa ou não” (em termos de performance) virou quase um jogo com a sorte, com a casualidade de um momento, de uma boa direcao…


Acontecimentos similares sucederam paralelamente também entre Nureyev e Gable. O segundo «abasbacado» de como Rudolf transformava passagens puras e simples em «fogos de artifício de Ano-Novo» com toda uma bravura russa que nunca foi o estilo de MacMillan (por saber que Romeu aqui “não tocava a primeira corneta”? E sim Julieta? Mas "a" Julieta de MacMillan já deixara de existir... )Ele mudou os figurinos, transformando seu Romeu numa estrêla… mas não numa atual para a época… Anos-luz daquele que deveria ter sido uma figura de identificação para a juventude de Kings’s Road, como aquele que tinha o corte-de-cabelo de um "Rolling Stone"… O já falecido Christopher deixou o mundo do Ballet completamente em 1966, triste e desiludido. Trabalhou muito como ator mas... Oh, tudo que nós perdemos… Que triste perder um Ballet assim, um daqueles que só aparecem poucas vezes por década. Quando aparecem.

Em sua biografia sobre Margot, Meredith Daneman, conta como este episódio, esta “sabotagem” ficou gravada na consciência da Ballerina: Anos depois, num jantar privado ouviram-a pedindo desculpas à Lynn pelo que havia sucedido. Lynn com sua costumal “Largesse” estava fazendo de conta que não havia nada para desculpá-la. E de certa forma ela tinha razão. Ela de certa forma sabia... Num almoço em 1965 com o empresário Sol Hurok em New York, testemunhas contaram à Lynn, que Margot disse que sim, óbviamente queria fazer um novo Ballet, mas não este, queria ter “seu tempo”. Ela nao queria ser a Julieta de MacMillan. Mas ela tinha um contrato... e na realidade o Ballet nao teve o "elenco de primeira classe" por causa dela, sim pelo valor magnético de bilheteria de Nureyev.


Provavelmente atrás dos bastidores foi Margot Fonteyn a melhor advogada que Lynn poderia ter tido. Ela fez tudo o que podia para lutar contra este “veredito”. Ela queria que Lynn, uma ballerina que ela adorava, dançasse “sua” Julieta (o que fez depois com Christopher, para grandes críticas… Mas não na Premiére… O Ballet nunca pertenceu-os… ) mas Margot, a quem muito respeito, não ganhou o caso.

Agora eu pergunto: Nobreza de caráter. Grandeza de espírito. Generosidade. Matérias muito raras quando um trata com a própria vaidade, carreira e com o próprio ego! “Chapeau” Margot… Voce nunca ficará “fora de moda” como modelos ultrapassados que nao compreenderam elas mesmas! Para mim realmente foi esta a reconfirmação que voce foi uma grande Dama. Que exemplo… Obrigado.

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